O Estado de S. Paulo, n. 46894, 09/03/2020. Política, p. A21

Amazônia fica menos resiliente e mais perto de ponto de não retorno

Ueslei Marcelino


 

A Floresta Amazônica tem apresentado uma recuperação mais lenta de longos períodos de estiagem nas últimas duas décadas, danificando seu ecossistema e chegando mais perto de um possível "ponto de inflexão". Um estudo publicado na revista Nature Climate Change mostrou que mais de 75% da floresta vem perdendo a capacidade de retornar a um estado saudável após choques, como secas e incêndios.

"Áreas (florestais) mais próximas do uso humano da terra, como as urbanas e as terras agrícolas, tendem a perder resiliência mais rapidamente", disse Chris Boulton, um dos autores do relatório preparado pelo Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Áreas mais secas que recebem menos chuvas também foram particularmente atingidas, conforme a análise. Conter o crescente desmatamento na Amazônia é vital para evitar impactos descontrolados das mudanças climáticas. Isso por causa da grande quantidade de dióxido de carbono que as árvores da floresta podem absorver.

Visão do Alto. Os pesquisadores analisaram dados de satélite que estimam a quantidade total de biomassa (árvores e outras plantas) em uma determinada área, bem como o teor de água das árvores e a "aparência verde" da vegetação. Esses são indicadores de saúde e resiliência. Eles também examinaram as alterações mensais conforme a floresta respondia ao flutuamento das condições climáticas durante 20 anos.

A resiliência do ecossistema amazônico caiu, particularmente, durante as grandes secas de 2005 e de 2010. No entanto, o declínio foi contínuo e se estendeu do início dos anos 2000 até 2016 – quando os dados mais recentes foram coletados. Cientistas dizem que as estações secas na bacia se tornaram mais longas e as estiagens mais comuns e severas à medida que as mudanças climáticas se intensificaram. "Como resultado, esperamos que a floresta se recupere mais lentamente de uma seca agora, do que há 20 anos", disse Boulton.

Inflexão. Quanto mais da floresta é derrubado ou queimado, a Amazônia se torna menos resiliente e pode chegar a um ponto de inflexão, no qual partes significativas da cobertura florestal serão perdidas, tornando-se savanas abertas ou florestas mais curtas e secas, alertam os cientistas. Isso desencadearia a "morte" da Amazônia como floresta tropical, reforçaram, com consequências devastadoras para a biodiversidade e as mudanças climáticas.

Não está claro quando esse ponto de inflexão vai ser alcançado ou quanto tempo levará para a floresta mudar para savana. As áreas mais secas da floresta, onde a maior parte da resiliência foi perdida, vão ter isso mais cedo. Os dados de satélite coletados "significam que provavelmente nos aproximamos desse ponto de inflexão, (mas) também sugerem que ainda não cruzamos esse ponto, então há esperança", disse outro autor do relatório, Niklas Boars.

Longo Processo. Ecologista tropical, Daniel Nepstad, que não esteve envolvido no estudo, disse que algumas partes da floresta tropical já se transformaram em matagal, mostrando "vislumbres de como são os pontos de inflexão regionais, especialmente no sudeste da Amazônia". "Não vejo que a floresta vá (de repente) virar uma savana", disse o diretor do Earth Innovation Institute, com sede nos EUA. "Será um longo processo."

Risco viável

75%

da floresta vem perdendo a capacidade de retornar a um estado saudável após choques, como secas e incêndios, de acordo com os dados coletados pelo Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter, no Reino Unido. O estudo foi publicado na revista Nature Climate Change.