Correio Braziliense, n. 20696, 21/01/2020. Política, p. 3

Brasil denuncia, e vice-ministro cai

Renato Souza



Em meio à crise provocada pela fuga de 76 presos, o vice-ministro da Política Criminal do Paraguai, Hugo Volpe, pediu demissão. Relatórios produzidos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, enviados ao país vizinho, apontam que ele está envolvido em atos de corrupção. A pasta não comentou o intercâmbio de informações, mas a procuradora-geral do Ministério Público do Paraguai, Sandra Quiñone, confirmou que as revelações foram repassadas por autoridades brasileiras. Os 76 detentos fugiram, na madrugada de domingo, da Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero e são ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

De acordo com Sandra Quiñone, um procurador brasileiro também repassou as informações. “É uma denúncia formal, recepcionada pelo Ministério Público (do Paraguai), do Ministério da Justiça brasileiro, e de que tomamos conhecimento esta manhã (ontem)”, disse. Em meio às supostas irregularidades cometidas por Hugo Volpe, estão crimes na fronteira entre os dois países. Os relatórios, produzidos por investigações de autoridades brasileiras, contêm mais de 3.500 páginas e vinham sendo mantidos em sigilo.

Dos fugitivos, 40 são brasileiros e 36, paraguaios. No grupo estão criminosos ligados a Sérgio de Arruda Quintiliano, o Minotauro, um dos principais líderes do PCC, preso em fevereiro de 2018 pela Polícia Federal. Os detentos supostamente ligados a Minotauro são os brasileiros Julio César Gomes, de 29 anos; Ailton Botelhos dos Santos, 35; Felipe Diogo Fernandes Dias, 25; Rafael de Souza, 25, e Luciano de Souza Martins, 26, além do paraguaio Marcos Paulo Valdez Moreira, de 25 anos.

É possível que boa parte dos fugitivos já esteja no Brasil. O principal temor das autoridades é que eles tentem chegar a São Paulo, onde estão as maiores células da facção criminosa. A Polícia de Ponta Porã (MS) encontrou três veículos queimados na BR-463, próximo ao distrito de Sanga Puitã, do lado brasileiro da linha internacional que separa os dois países. Como os carros foram achados logo após a fuga, o secretário da Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antonio Carlos Videira, também acredita que parte dos criminosos fugiu para o Brasil.

Capturas

As forças de segurança do Paraguai conseguiram prender, ontem, um segundo fugitivo entre os 76 que escaparam da prisão de Pedro Juan Caballero. Sabio Darío González Figueredo acabou sendo recapturado ainda no território do país vizinho. O primeiro a ser encontrado foi o brasileiro Eduardo Alves da Cuña, detido em Ponta Porã (MS). De acordo com o Ministério do Interior do Paraguai, Sabio González “foi surpreendido quando estava escondido em um bairro periférico de Pedro Juan Caballero, a 200 metros da penitenciária”. “Ele foi recapturado quando estava prestes a abandonar a cidade. Essas ações fazem parte dos primeiros resultados de trabalhos em conjunto com o governo brasileiro, na zona de fronteira seca”, emendou a pasta.

No Brasil, o Ministério da Justiça enviou tropas para montarem barreiras, com a finalidade de identificar fugitivos que tentam entrar no país. Homens da Força Nacional, da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul e das Forças Armadas reforçam a segurança.

Tentáculos

O Primeiro Comando da Capital é uma facção que surgiu em São Paulo e ganha território pelo país e na América do Sul. Pedro Juan Caballero é considerada uma cidade estratégica para o grupo criminoso, já que é por lá que a droga traficada dos países vizinhos entra no Brasil. Uma vez em território nacional, segue para Estados Unidos, Europa e Ásia.

Saiba mais

Ao ser confrontado com a denúncia, Hugo Volpe teria negado os fatos, mas decidiu pela não permanência no cargo para se defender das acusações. De acordo com a ministra da Justiça, Cecilia Pérez, o caso que envolve o promotor não tem a ver com a fuga de presos. “Como ele (Volpe) está sendo alvo de uma investigação, pôs o cargo à disposição para evitar conflitos, porque também deve esclarecer o caso em que foi apontado seu envolvimento.”

O ministro Arnaldo Guizzio, da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), disse que o presidente Mario Abdo aceitou a demissão do vice-ministro para seguir com as investigações e chegar à verdade dos fatos. Volpe desempenhou o cargo de promotor do combate ao narcotráfico até novembro do ano passado, quando pediu demissão do Ministério Público para assumir como titular do vice-ministério de Política Criminal, vinculado ao Ministério da Justiça.

O promotor paraguaio foi figura de destaque nas ações conjuntas entre o Brasil e o Paraguai para combater o narcotráfico na fronteira. Em várias operações, ele prendeu policiais que chefiavam departamentos em cidades da fronteira com o Brasil. Ameaçado de morte pelos traficantes, passou a contar com segurança oficial.

Frase

“É uma denúncia formal, recepcionada pelo Ministério Público (do Paraguai), do Ministério da Justiça brasileiro, e de que tomamos conhecimento esta manhã (ontem)”

Sandra Quiñone, procuradora-geral do Ministério Público do Paraguai

Fuga no Acre é investigada

As autoridades brasileiras investigam se existe ligação entre a fuga de prisioneiros em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, e a de 26 detentos do presídio Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco, na madrugada de ontem. Assim como o caso do país vizinho, os detentos que escaparam no Acre têm ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC). A Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) atuam nas investigações a pedido do governo do estado.

A informação sobre a participação das duas instituições no caso foi confirmada pelo Gabinete Civil do Governo do Estado do Acre. A segurança do complexo penitenciário, incluindo as três guaritas instaladas na muralha de sete metros, estava sob responsabilidade da Polícia Militar. No entanto, a parceria terminou ontem e não será retomada.

A juíza Luana Campos, que atuou durante oito anos na Vara de Execuções Penais do estado, produziu um relatório que apontou a possibilidade de fugas por meio da escavação de túneis, além de violações de direitos no interior da unidade. “Não há um equilíbrio entre direitos e deveres. Não há estudo, trabalho, e eles (presos) falam que são torturados diariamente”, destacou. “A Vara de Execuções Penais, na minha gestão, sempre enfatizou o quadro de poucos agentes penitenciários e a possibilidade de rebelião, aliado à estrutura velha dos pavilhões, que, sem reforma, podem ser facilmente cavados buracos na parede.”

Atualmente, 1.170 policiais atuam no Sistema Penitenciário do Acre e são responsáveis pela vigilância de oito mil presos. A maioria do total de encarcerados está no presídio de Francisco de Oliveira Conde. Os fugitivos ocupavam o Pavilhão L, onde ficavam os presos ligados ao PCC e ao Bonde dos 13, grupo regional associado à facção paulista. Esse foi o mesmo pavilhão onde morreram cinco pessoas em uma rebelião ocorrida em 2016. (RS)