Correio Braziliense, n. 20619, 05/11/2019. Política, p. 3

Especialistas mostram cautela


As medidas que o governo anuncia hoje buscam entregar o crescimento econômico prometido no começo do ano, mas que não deve se concretizar por ora. Embora as expectativas do mercado financeiro fossem de crescimento de 2,53% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o relatório Focus do Banco Central, de 4 de janeiro, a atividade econômica segue em recuperação lenta, com previsão de encerrar 2019 com ligeiro avanço de 0,92%, conforme a edição de ontem do documento.

Na avaliação de Gesner Oliveira, economista-sócio da GO Associados, apesar de os próximos passos indicados pelo Ministério da Economia serem necessários e complementares à reforma previdenciária, o mercado financeiro já mostra consciência da dificuldade do governo na articulação política. “O anúncio das medidas deverá ter um certo impacto e precificação no mercado, com a aprovação por parte dos investidores, mas a aprovação não será fácil, e já se sabe isso também”, disse.

Oliveira afirmou que a reforma da Previdência foi importante para desativar uma bomba no futuro, porém o problema do orçamento continua no presente. “Há uma pressão grande por parte dos gastos vinculados e obrigatórios, uma folha de pessoal que cresce incessantemente ao longo do tempo. Assim, a União é obrigada a recorrer à autorização do Congresso para a emissão de dívida, que gera mais gasto no futuro, por conta do juros. Ou seja, controla gasto, mas estoura a dívida: isso é incompatível com equilíbrio fiscal”, argumentou. “O que o mercado quer agora são medidas complementares que permitam maior flexibilidade de gestão do orçamento, gatilhos de cortes de despesas que, em vez de tocar o alarme e aumentar a dívida por meio do Congresso, acionem o corte de gasto. Isso tudo é melhor para a saúde fiscal, mas tudo isso envolverá negociações. É uma agenda densa”, avaliou.

Ele acredita, no entanto, que, se houver um bom encaminhamento dos textos, embora não venham a ser promulgados no primeiro semestre de 2020, as reformas podem começar a ter efeito na segunda metade do ano. “Isso em um cenário otimista, com indicações de boa articulação e as presidências das duas casas novamente comprometidas com a agenda econômica. Mas, de fato, os efeitos práticos na economia brasileira ainda vão demorar um tempo para serem sentidos, ainda que sejam medidas mais imediatas”, explicou.

Já para Nelson Marconi, professor de economia da Fundação Getulio Vargas, as reformas do governo vão na direção de reduzir o custo de produção das empresas, “sem olhar para o que acontece no lado da demanda, que está fraca, do alto desemprego e das dívidas”. “Não acho que vão ajudar, de forma significativa, a tirar a economia da atual situação. Tenho a impressão de que é para desviar a atenção para o fato de que não vão conseguir emplacar a reforma tributária. São medidas que, dependendo, podem reduzir o custo de produção para empresas e podem ser bem-vindas, mas não são fundamentais para recuperar a atividade econômica”, ressaltou. “Na minha avaliação, a economia vai continuar patinando. A equipe econômica deste governo acredita piamente que melhorando as condições de produção seria suficiente para retomar o crescimento, mas não é. O diagnóstico está errado”, criticou. (AR)