Correio Braziliense, n. 20619, 05/11/2019. Política, p. 4

Oposição quer perícia em dados
Bernardo Bittar
Renato Souza


Líderes da oposição no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) pediram ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José Eduardo Ciotola Gussem, que “medidas urgentes” sejam tomadas para resguardar o sistema de gravação e os computadores do condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro e Ronnie Lessa, um dos acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSol), têm residência. A medida, segundo a dupla, é para garantir material suficiente para uma “futura perícia” do órgão técnico oficial.

O ofício dos parlamentares foi enviado, no fim de semana, ao Ministério Público do Rio, após Bolsonaro afirmar que reteve os áudios de ligações entre a portaria do condomínio e as casas do local antes que “elas tivessem sido adulteradas”. “Nós pegamos antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de ano. A voz não é minha”, defende Bolsonaro, que nega obstrução de Justiça.

No domingo, o presidente apresentou uma versão diferente. Disse que não pegou cópias ou os arquivos originais das gravações. “O que eu fiz foi filmar a secretária eletrônica com a respectiva voz de quem atendeu o telefone. Só isso, mais nada. Não peguei, não fiz backup, não fiz nada”, destacou. “E a memória da secretária eletrônica está com a Polícia Civil há muito tempo. Ninguém quer adulterar nada, não. O caso Marielle, eu quero resolver também, mas querer botar no meu colo é, no mínimo, má-fé e falta de caráter.”

Randolfe e Molon dizem que a “apropriação” do conteúdo seria de “extrema gravidade”, assim como o acesso do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) às gravações. O filho do presidente mostrou os arquivos nas redes sociais e disse que não havia problema, pois também era morador do condomínio. Carlos disse que não havia registros da ligação mencionada pelo porteiro à polícia. Líderes da oposição no Congresso, no entanto, defendem que é “fundamental” investigar as condições desse acesso.

Eles haviam indicado a possibilidade de acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro, sob alegação de que o presidente cometeu obstrução de Justiça ao “ter se apropriado de provas relacionadas às investigações do assassinato de Marielle Franco”.

No documento enviado à imprensa, os parlamentares relembram desdobramentos do caso Marielle, chamando a atenção para a perícia dos áudios feita pela Promotoria do Rio. Os líderes destacam que o procedimento foi feito pelo Ministério Público e não pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli. O senador e o deputado avaliam que a perícia foi realizada em circunstâncias que “chamam a atenção”. O assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes completou 600 dias ontem.

O PT apresentou, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma notícia-crime contra Jair Bolsonaro, o filho Carlos e o ministro da Justiça, Sérgio Moro. Na ação, o partido afirma que Jair e Carlos Bolsonaro podem ter alterado as gravações às quais teriam tido acesso na portaria do residencial. A legenda pede que o presidente e o filho sejam alvo de busca e apreensão, com o objetivo de encontrar os arquivos supostamente apropriado pelos dois, a fim de realizar perícia para comprovar eventual alteração no conteúdo.

Confusão

Os áudios filmados e postados por Carlos em redes sociais desmentem o porteiro do condomínio que, em depoimento, disse que Élcio Queiroz, acusado de ser um dos autores do assassinato, teria sido autorizado por “seu Jair” a entrar no condomínio depois de interfonar para a casa do presidente. No áudio, quem autoriza a entrada de Élcio é Ronnie Lessa, outro acusado pelo crime.