Título: Lula vai desocupar terras da Igreja
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 18/03/2005, País, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva arrumou briga com a Igreja Católica ao assinar um decreto que classifica como de interesse social, para fins de reforma agrária, os 1.367 hectares da Diocese de Jataí (GO), correspondentes a 1.300 campos de futebol. A Igreja não aceita a distribuição das terras para as famílias acampadas em beira de estrada. O Incra vai insistir na desapropriação.

O decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 25 de fevereiro. Além de Lula, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, assina o documento. O bispo de Jataí, dom Aloísio Hilário de Pinho, disse não ter sido informado pelo governo sobre a desapropriação da Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe.

- Sou a favor da reforma agrária, mas vão recorrer às terras da Igreja só porque somos a favor da reforma agrária? - questiona o bispo.

Dom Aloísio diz que o governo deveria desapropriar ''os grandes latifúndios improdutivos''. Segundo ele, a fazenda da Diocese não é terra improdutiva. Laudo do Incra, no entanto, deu parecer oposto. Dom Aloísio afirmou que a terra é arrendada para uma família que planta soja. Segundo ele, a área abriga 25 posseiros.

- A Diocese não tem interesse de especulação imobiliária de terras - diz o bispo.

Ontem, dom Aloísio viajou para Brasília e teve encontro com o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e com o superintendente do instituto em Goiás, Ailtamar da Silva. A assessoria de Hackbart nada informou sobre o encontro. Ailtamar afirmou que o Incra de Goiás vai assentar na Fazenda Nossa Senhora de Guadalupe 40 famílias sem-terra ligadas ao Sindicato Rural de Jataí, acampadas na BR-364 há oito anos. O superintendente do Incra considerou ''contraditória'' a reação da Igreja.

Segundo ele, o decreto presidencial declarou a área de interesse social para fins de reforma agrária só depois de realizados os laudos. Na reunião de ontem, o bispo teria afirmado que o Incra não levou em conta uma reserva legal que existe na fazenda, o que poderia mudar o resultado do laudo.

Quando o Incra fez a vistoria, no entanto, a reserva não estava averbada na escritura da fazenda, alega o superintendente. Segundo Ailtamar, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não considera este tipo de reserva legal, caso não esteja averbada na escritura.

- Existia a reserva legal de fato, mas não de direito - explica Ailtamar.

Dom Aloísio Hilário não aceita as explicações:

- Discordamos do laudo. É inaceitável. Talvez seja uma tentativa de pôr a Igreja à prova. Não sou favorável a toda a política do nosso presidente - criticou o bispo.