Correio Braziliense, n. 20696, 21/01/2020. Mundo, p. 12

Trump exige absolvição rápida e denuncia farsa

Rodrigo Craveiro


Em 110 páginas de um documento entregue ao Congresso, a equipe jurídica de Donald Trump — liderada pelo conselheiro Pat Cipollone e pelo advogado Jay Sekulow — instou o Senado a absolver rapidamente o presidente norte-americano, classificou de “farsa” as acusações de abuso de poder e de obstrução de Justiça, e alertou sobre uma “perversão perigosa da Constituição”. Um dia depois de completar três anos no governo, Trump começa a ser julgado hoje pelo Senado em um processo de impeachment ainda sem data para votação. “Os artigos de impeachment (…) são afronta à Constituição e às nossas instituições democráticas. Os artigos em si — e o processo fraudulento que os trouxe até aqui — são um ato descaradamente político dos democratas da Câmara, que devem ser rejeitados”, afirma o texto.

Na conclusão do dossiê, Sekulow e Cipollone sustentam que os artigos de impeachment apresentados pela Câmara dos Representantes são “constitucionalmente deficientes”. “As teorias nas quais eles se embasam fariam danos permanentes à separação de poderes sob a Constituição e à estrutura de nosso governo”, adverte o texto, segundo o qual o “processo sem precedentes e inconstitucional negou ao presidente todo o direito básico guarantido pelo devido processo e os princípios fundamentais de imparcialidade”. “O Senado deveria rejeitar os artigos de impeachment e absolver o presidente imediatamente”, aconselha a equipe legal da Casa Branca.

Roland Riopelle, ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York, disse ao Correio que as declarações dos conselheiros jurídicos de Trump sobre a ilegalidade do impeachment são “totalmente infundadas”. “Os artigos de impeachment foram apropriadamente citados pelo Congresso depois dos depoimentos de várias testemunhas, algumas das quais tiveram conhecimento em primeira mão dos supostos delitos cometidos pelo presidente”, comentou. “Não acho que o Senado descartará o impeachment sem passar pelo julgamento. Os senadores republicanos moderados verão isso como politicamente perigoso demais para votar pela absolvição sumária de Trump, sem o processo todo.”

Riopelle acredita que o julgamento de Trump no Senado poderá contar com testemunhas, além da consideração das evidências reunidas pela Câmara. “Qualquer norma ou procedimento poderá ser mudado, com base nos votos de 51 senadores. Tudo é realmente possível”, disse. Ele afirmou não ver nada de “perigoso” ou “inconsistente nos artigos de impeachment”. O ex-procurador duvida de uma condenação do republicano. “É bem difícil que 67 senadores (maioria absoluta) vote pela condenação. No entanto, revelações e surpresas poderão surgir nas próximas duas semanas. Por exemplo, as declarações do imposto de renda de Trump podem ser entregues ao Congresso. Se elas mostrarem fortes conexões com a Rússia, isso mudará os cálculos nesse caso.”

Influência

Trump é acusado de pressionar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a investigar o democrata Joe Biden e o filho, Hunter Biden, por denúncias de corrupção. O líder republicano teria condicionado uma ajuda militar milionária a Kiev ao inquérito. A nove meses e 15 dias das eleições presidenciais, Riopelle mostra ceticismo em relação a uma suposta influência do processo de impeachment na votação de 3 de novembro. “A maioria dos americanos tem opinião formada sobre Trump. Eles o odeiam ou o amam. É possível que mais evidências de delitos cometidos pelo presidente possam influenciar os eleitores verdadeiramente independentes. Novas revelações em um julgamento no Senado poderiam levar alguns deles a abandonarem Trump, mas os números não seriam expressivos para impactar a eleição.”

Professor de ciência política da Universidade de Princeton, Keith E. Whittington declarou à reportagem que a Câmara dos Representantes apresentou acusações críveis contra Trump, que encontram embasamento constitucional para o impeachment. “O Senado pode não decidir que essas acusações sejam suficientes para justificar a remoção, mas a alegação do presidente de que um impeachment é uma mera farsa não tem fundamento”, opinou. O especialista também disse suspeitar que o julgamento no Senado não terá consequências dramáticas às eleições. “Há um grande lapso de tempo até a votação, e a maioria dos eleitores não parece afetada pelas acusações de impeachment.”

Trechos

Como os advogados de Trump responderam às acusações do Congresso em relação aos dois artigos de impeachment

“Os artigos de impeachment agora ante o Senado são uma afronta à Constituição e às nossas instituições democráticas. Os artigos em si — e o processo fraudulento que os trouxe até aqui — são um ato descaradamente político dos democratas da Câmara que devem ser rejeitados.”

“Tudo isso é uma perversão perigosa da Constituição, que o Senado deve condenar rápida e abertamente.”

“A nova teoria de abuso de poder, por parte dos democratas da Câmara, substitui indevidamente o padrão de ‘altos crimes e delitos’ com uma teoria inventada, a qual enfraqueceria permanentemente a Presidência, ao permitir efetivamente impeachments com base apenas em divergências políticas.”

“A teoria inventada dos democratas da Câmara de que o presidente pode ser ‘impichado’ por tomar ações permissíveis se ele o faz pelo que acredita serem as razões erradas também explicaria expandir o poder de impeachment para além dos limites constitucionais.”

Eu acho...

“Parece bem provável que o Senado votará pela absolvição do presidente Donald Trump, mas há mais incerteza sobre se a maioria do Senado pedirá uma rápida resolução para o julgamento sem ouvir mais testemunhas ou se o processo será mais prolongado e os democratas da Câmara terão mais de uma oportunidade para apresentarem seu caso. Parece que alguns senadores republicanos se aliarão aos democratas para rejeitar qualquer manobra da equipe jurídica de Trump para rapidamente rejeitar as acusações.”

Keith E. Whittington, professor de ciência política da Universidade de Princeton