Título: A terrível falta de lideranças
Autor: Maria Lucia Victor Barbosa
Fonte: Jornal do Brasil, 18/03/2005, Outras Opiniões, p. A9

Quando se leva em conta que as mais altas autoridades da República se exibem como sempre estivessem em palanque, não se importam em assumir atitudes impróprias aos cargos que ocupam, não se interessam por de fato implementar ações necessárias ao engrandecimento do país, não se pejam em demonstram inaptidão para governar, não se cansam de vangloriar de sua visão limitada, não se importam em ostentar interesses pessoais chega-se à conclusão de que esse é o período mais medíocre já vivido na República.

Sem dúvida esse deplorável estado de coisas reflete o tempo em que vivemos, em que pese o fato de que a humanidade desfruta agora de grandes avanços tecnológicos e científicos, osquais beneficiam mesmo as populações miseráveis se as sociedades em que vivem lhe possibilitam acesso ao progresso. Mas em termos de valores, comportamentos e aspectos culturais, e voltemos de novo a considerar o Brasil, a banalização não só da vida diante da violência impune, mas a desorganização de certas instituições e o declínio da educação, se reflete também nas escolhas feitas pelo voto que acabam alçando aos níveis mais altos do poder nulidades debochadas, despreparados que só sabem discursar, gananciosos que nem sequer disfarçam sua sede por privilégios de toda ordem decorrentes dos cargos disputados a qualquer preço e assumidos sem que não se tenha noção para que servem.

Para quem tem um mínimo de discernimento desgosta ver que o presidente da República tem agora um companheiro a sua altura na figura do presidente da Câmara. Rivalizam os dois em improvisados discursos de palanque onde mais valem o gestual e o tom da voz do que o conteúdo. Assim arrancam aplausos, divertem a platéia, sonham em contabilizar votos e a esse vez o populista se costuma erroneamente chamar de carisma.

Cansa para quem tem um mínimo de informação a ''novela'' da reforma ministerial. Nela não existem critérios de mérito ou competência profissional, mas apenas arranjos políticos. O que interessa ao dúbio PMDB, dividido em situação e oposição para poder governar, são ministérios. Não bastam os que já tem, cujos ministros até agora não mostraram a que vieram. E o PP, agora reforçado, entoa com força a oração de São Francisco: ''é dando que se recebe''.

Naturalmente alguns ministros são intocáveis, como o da Fazenda. Seguindo a mesma linha do governo anterior e desfrutando de um cenário econômico mundial em calmaria, o ministro Palocci é tido como fiador da reeleição do presidente Luiz Inácio. Este, por sua vez, se ufana do espetáculo do crescimento que, diga-se de passagem, não é espetáculo de desenvolvimento e, portanto, não atinge a sociedade como um todo, mas pode significar seu passaporte para a continuidade no mundo maravilhoso do poder.

No mais é bom perguntar o que faz o ministro da Pesca, da Integração Nacional, ou um invisível superministro da área social, ou mesmo qualquer dos demais que integram o mega complexo ministerial criado para premiar antigos companheiros derrotados em eleições e acomodar novos companheiros que podem pagar o benefício com a moeda de sua adesão invertebrada. Não seria melhor o presidente diminuir pela metade o número de ministros e escolher pessoas capazes de dinamizar as pastas de acordo com as necessidades do país? O jogo de poder dessa reforma ministerial, que desde novembro, não ata nem desata, não interessa a nós, cidadãos. O que nos importa, por exemplo, é que um ministro da Saúde competente assuma no lugar do atual que vem aprofundando a crise numa área em que a insensibilidade governamental aliada ao descaso se transformou no espetáculo da crueldade e do descalabro.

Cansa presenciar as manobras do Legislativo e do Judiciário em prol do governo para abafar erros, evitar a elucidação de falcatruas como a do Waldomiro Diniz, esclarecer denúncias de corrupção, deslindar crimes não solucionados como o do prefeito Celso Daniel.

Faltam lideranças e essa falta é terrível. Naturalmente algumas existem, mas será preciso que o povo supere sua tendência de buscar o salvador da pátria, o pai que prodigaliza parcos benefícios assistencialistas, o demagogo das promessas impossíveis e através do voto aprenda a elevar ao poder o líder vocacionado que, como definiu Max Weber, ''vive para política e não da política''.

Perfeição não existe em meio aos humanos, mas depois dessa passagem pela mediocridade máxima da política brasileira, quem sabe os eleitores saberão melhor distinguir aqueles que, pela sua ação competente já demonstraram que seus interesses se fundam no interesse público e não em motivos puramente pessoais.