O Globo, n. 31546, 20/12/2019. País, p. 4

Nas mãos de Gilmar: o apelo do filho

André de Souza
João Paulo Saconi
Alice Cravo
Bernardo Mello
Juliana Castro
Juliana dal Piva


A defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda a investigação conduzida pelo Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro sobre a suposta prática de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) entre 2007 e 2018, quando era deputado estadual. O pedido foi protocolado anteontem, às 23h43m, e aguarda uma decisão do ministro Gilmar Mendes. Para os promotores,Flávio nomeava assessores que devolviam parte de seus salários e utilizava uma loja de chocolates da qual é sócio e imóveis para lavar o dinheiro.

Seis horas antes de recorrer ao STF, às 17h30m de quarta feira, Flávio se reuniu no Palácio da Alvorada com o pai, o presidente Jair Bolsonaro, o irmão e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o advogado Frederick Wassef.

O presidente disse ontem que tratou no encontro sobre o caso de Adélio Bispo, preso por esfaqueá-lo na campanha eleitoral do ano passado. Além de ser responsável pela defesa de Flávio, Wassef representa Bolsonaro no processo contra Adélio, considerado inimputável judicialmente em sentença que transitou em julgado desde julho.

Na manhã anterior à reunião no Planalto, o MP deflagrou uma operação de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.

A solicitação enviada à Corte está sob sigilo e diz respeito a uma decisão tomada em junho pelo ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na ocasião, o magistrado negou um pedido de Wassef para paralisar a investigação. O advogado alegava, entre outros motivos, o mesmo que já havia defendido, sem sucesso, no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio: que o sigilo bancário do parlamentar havia sido quebrado pelo antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização judicial.

Gilmar despachou ontem pedidos de informação sobre o caso, “com urgência”, para o MP, o TJ e o STJ, mas não estipulou prazo para respostas. Com o tribunal em recesso a partir de hoje, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, é o responsável por decisões urgentes. Como o pedido chegou antes disso, é possível que Gilmar decida nos próximos dias, mesmo durante a pausa nos trabalhos.

Senador nega crimes

Nos últimos cinco meses, desde julho, o procedimento MP esteve paralisado em consequência de uma decisão de Toffoli que suspendeu procedimentos baseados em informações compartilhadas com o MP por órgãos de controle, como o Coaf. Em outubro, Gilmar atendeu a uma reclamação de Flávio e reforçou a interrupção das apurações.

Em vídeo, o senador negou o esquema, questionou a atuação do juiz Flávio Itabaiana (responsável por autorizar a operação no TJ do Rio) e criticou o vazamento de detalhes do caso.

— O objetivo é desgastar a minha imagem e obviamente atingir o presidente Jair Bolsonaro — afirmou.

Flávio movimentou R$ 2 milhões em imóveis e loja de chocolate

O Ministério Público do Rio (MP-RJ) suspeita que o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) tenha injetado recursos ilícitos não declarados no total de R$ 2,27 milhões na compra de dois imóveis e em sua loja de chocolates. No pedido que embasou mandados de busca e apreensão cumpridos na quarta-feira, o MP argumenta que essas operações, em 2012 e entre 2015 e 2018, foram uma tentativa de camuflar verbas obtidas com um esquema de “rachadinhas” em seu antigo gabinete.

O MP investiga Flávio por peculato e lavagem de dinheiro devido às suspeitas de que funcionários nomeados na Alerj devolviam parte dos salários, prática conhecida como “rachadinha”. De acordo com o MP, o ex-assessor Fabrício Queiroz, homem de confiança de Flávio, recebeu transferências de funcionários, entre 2007 e 2018, que totalizaram cerca de R$ 2 milhões.

Para o MP, Queiroz “não agiu sem o conhecimento de seus superiores hierárquicos” ao recolher parte dos salários do gabinete. Nesta etapa das investigações, o Ministério Público procurou demonstrar não só as evidências de “rachadinha” e nomeações de funcionários fantasmas, mas também o caminho dos recursos até sua integração ao patrimônio pessoal de Flávio.

Segundo as investigações, Flávio e sua mulher, Fernanda Bolsonaro, compraram dois apartamentos em novembro de 2012 em Copacabana, no valor total de R$ 310 mil. O pagamento foi feito em quatro cheques emitidos ao americano Glenn Howard Dillard, representante dos proprietários dos imóveis. No mesmo dia e na mesma agência em que descontou os cheques, Dillard recebeu depósitos em espécie no valor de R$ 638,4 mil.

Pouco dinheiro na páscoa

Ao revender os imóveis, nos dois anos seguintes, Flávio obteve um lucro total de R$ 800 mil em relação aos valores declarados. Para os investigadores, o dinheiro em espécie recebido por Dillard seria um complemento “por fora” feito pelo casal Bolsonaro para chegar ao valor real dos apartamentos.

Ainda segundo a investigação, Flávio e sua mulher Fernanda arcaram com mais de R$ 1 milhão na compra e abertura da loja Bolsotini Chocolates e Café, em um shopping na Barra. Os recursos “não seriam compatíveis com a renda” do casal no período, de acordo com o MP. A sociedade da loja é dividida meio a meio entre Flávio e o empresário Alexandre Santini, que teria atuado, segundo os investigadores, como um “sócio laranja” para camuflar a origem dos recursos.

Um aspecto inusitado na movimentação financeira da loja de chocolates chamou a atenção dos promotores: as vendas da Páscoa não influenciaram no valor dos depósitos em espécie. Apesar do período representar o pico de vendas do segmento de chocolates, este aumento não refletiu sobre os depósitos em dinheiro.

Os registros indicam inclusive que, em outros meses, as quantias chegaram a ser maiores do que no período da Páscoa. “Em períodos com volumes de venda muito inferiores, houve depósitos em espécie em quantias superiores àquelas constatadas no período da Páscoa, não somente em termos percentuais mas também absolutos”, escreveram os promotores à Justiça.

De acordo com o MP, a loja apresentou uma diferença de R$ 1,63 milhão entre o faturamento auditado pela administração do shopping e o valor efetivamente recebido em suas contas bancárias entre 2015 e 2018.

“Assim, pelo confronto entre os valores creditados na conta corrente da empresa e o real faturamento da loja (...), é possível apurar a divergência de valores que corresponde aos recursos de origem ilícita inseridos artificialmente no patrimônio da empresa”, disse o MP.