Título: Remédio sem efeito
Autor: Samantha Lima, Rafael Rosas e Luciana Otoni
Fonte: Jornal do Brasil, 18/03/2005, Economia & Negócios, p. A19

Mesmo com aperto monetário que elevou os juros pela sétima vez, inflação indica tendência de alta puxada por quebra da safra

O primeiro resultado da inflação depois de o Banco Central elevar a taxa de juros pelo sétimo mês consecutivo mostra que o aperto monetário efetuado desde setembro ainda está distante do seu objetivo, que é manter a inflação sob controle. O Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10) mais do que dobrou em março, registrando alta de 0,67%, contra 0,31% em fevereiro.

O resultado, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi puxado pelos preços do atacado, que subiram 0,70%. Dentro do grupo, os alimentos in natura avançaram 19,71%.

A forte alta registrada pelo IGP-10 reacende o debate sobre a eficácia das altas de juros promovidas pelo Copom em um ambiente em que grande parte da meta de 5,1% estipulada para este ano já está contaminada por preços administrados e agora é corroída pela alta dos preços dos alimentos, grupo fora do alcance do Copom - já que têm cotação determinada pela oferta e não pelo crédito. Na quarta-feira, o BC elevou a Selic de 18,75% para 19,25% ao ano.

- A política fiscal, a expansão do crédito com os descontos em folha e os choques de oferta agrícola são forças contra o efeito dos juros sobre a inflação. Não podemos descartar, ainda, que a economia está crescendo no mundo todo, o que carrega a economia brasileira. O que o Banco Central deveria fazer é passar a acomodar essas possíveis variáveis no momento em que estabelece a meta de inflação - afirma o economista Carlos Thadeu Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O economista José Cezar Castanhar, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que o governo ''não pode ir contra a economia real''.

- A indústria vem crescendo e as pessoas continuam comprando. O problema é que o Banco Central vem reduzindo muito drasticamente suas metas a cada ano. É preciso tempo para que haja uma acomodação, assim como foi feito em outros países que adotaram o sistema de metas - avalia.

Analistas acreditam que o Copom deverá optar pela continuação do arrocho nos juros, tendência até então considerada distante depois da divulgação da ata da reunião de fevereiro.

- Seguindo a linha de raciocínio ortodoxa, o BC deveria elevar os juros novamente em abril, já que o mundo maravilhoso da ata de fevereiro não existe mais. O dólar subiu, o preço do petróleo bate recorde e há a expectativa de alta nos juros dos Estados Unidos - observa Alex Agostini, economista da GRC Visão. - Os juros funcionam quando atingem a renda do trabalhador, o que não aconteceu até agora. Além disso, a exportação continua forte, o que estimula a renda de quem trabalha no setor - diz.

Ontem, as indicações do mercado financeiro apontam para uma manutenção da política de juros. O dólar, que vinha subindo nas últimas semanas, registrou ontem a maior queda percentual do ano, 1,52%, para R$ 2,721, em dia sem compra de moeda pelo BC. O movimento de entrada de recursos estrangeiros - atraídos pela alta dos juros - se repetiu ainda na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou em alta de 0,93%, aos 28.085 pontos e volume de R$ 1,56 bilhão.

O secretário-geral auxiliar para o Desenvolvimento Econômico das Nações Unidas, Jomo Sundaram, esteve ontem em Brasília e aproveitou a deixa para criticar o Copom. Para ele, a decisão do governo brasileiro em perseguir metas de inflação baixas impõe uma barreira ao desenvolvimento industrial do país.

- Essa obsessão com inflação baixa é um obstáculo ao crescimento industrial - enfatiza.