Correio Braziliense, n. 20615, 01/11/2019. Política, p. 2

Ecos da ditadura
Rodolfo Costa
Bernardo Bittar


Recém-chegado da viagem à Ásia e ao Oriente Médio, o presidente Jair Bolsonaro tinha tudo para surfar uma onda de notícias positivas na economia, com queda de juros, desaceleração do desemprego e o leilão do pré-sal, marcado para a próxima semana. Mas foi atropelado ontem pela declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), líder do partido na Câmara, que sugeriu a possibilidade de um “novo AI-5” — uma das medidas mais truculentas adotadas pelo regime militar de 1964 a 1985 —  “se a esquerda radicalizar”. A afirmação, feita em entrevista publicada ontem no canal do YouTube da jornalista Leda Nagle, gerou forte reação do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e de entidades da sociedade civil.

“Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, declarou, ao fazer referência a manifestações como as que tomam o Chile atualmente. Apanhado em meio ao redemoinho de críticas, o presidente lamentou o comentário do filho e declarou que “quem está falando em AI-5 está sonhando”, disse.

Mesmo depois de toda a polêmica, Eduardo voltou a defender o comentário, em vídeo publicado no Twitter. Disse que “existe uma polêmica” e que usou os protestos no Chile para exemplificar a “radicalização da esquerda”. “O que a esquerda está chamando de protestos e querendo trazer para o Brasil (...) na verdade sabemos que são vandalismos e depredações, e chega, sim, a ser terrorismo. Querem fazer uma instabilidade política para retirar do poder um presidente que não é de esquerda (...). Isso tudo está perigando vir para o Brasil. O que ocorreu no Brasil nos anos de 1960 e 1970”, afirmou.

O deputado lembrou, ainda, casos envolvendo sequestros de aviões e citou personalidades que teriam participado de grupos de oposição ao regime militar. Ele ainda trouxe à tona o livro Verdades sufocadas, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador da época da ditadura. “Quem leu o livro vai ver nome, sobrenome e data de ataques terroristas. Ali tem Lula, Dilma…”, acrescentou Eduardo. Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, no fim da tarde, o presidente disse ter conversado com o filho e sugerido que ele “tire do vocabulário” o AI-5. “Não existe isso, acabou.”

Antes, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro lamentou o ocorrido. “Ele é independente. Tem 35 anos, se não me engano. Ele é dono do seu (próprio nariz). Mas, tudo bem. Lamento se ele falou isso, que não estou sabendo, lamento, lamento muito. (...) O AI-5 existiu no passado, em outra Constituição. Não existe mais, esquece. Cobre dele (Eduardo), não apoio. Quem quer que seja que fale de AI-5 está sonhando”, destacou.

Somente depois dos comentários do pai, Eduardo, também em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, se retratou. “Eu peço desculpas a quem, porventura, tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5 ou a quem achou que o governo estudava alguma medida nesse sentido. Essa possibilidade é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5, não falei que ele estaria retornando. Eu fico bem confortável e bem tranquilo para deixar isso daí claro. Não existe retorno do AI-5”, disse. O deputado também postou vídeo em uma rede social para pedir desculpas.