Correio Braziliense, n. 20615, 01/11/2019. Política, p. 3

Reações no STF e no Congresso
Renato Souza
Bernardo Bittar
Rodolfo Costa


A quinta-feira, que deveria ser de calmaria em Brasília, tornou-se um dia agitado com as declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em relação a “um novo AI-5” . A primeira reação veio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) “Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas com toda a indignação possível pelas instituições brasileiras”, disse Maia, em nota divulgada no início da tarde.

O presidente da Câmara lembrou que, ao assumir o mandato de deputado federal, eleito por São Paulo, Eduardo jurou respeitar a Constituição de 1988. “Foi esta Constituição que fez o país reencontrar sua normalidade institucional”, disse. E lembrou que a apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também reagiu, e disse que “trabalha diariamente pelo fortalecimento das instituições, convicto de que o respeito e a harmonia entre os poderes são os alicerces da democracia, intocáveis do ponto de vista civilizatório”. Para Alcolumbre, que divulgou comunicado após se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, “é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível essa afronta à Constituição Federal”.

A menção a um instrumento usado pela ditadura também provocou reação no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que as palavras do parlamentar vão em desencontro aos valores e o sistema político determinados pela Constituição Federal. “Elas não constroem (as declarações). E revelam um cessamento da democracia”, disse o ministro ao Correio. Ao longo do dia, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sofreu pressão de vários setores da sociedade, principalmente de parlamentares, para se manifestar sobre o caso. No entanto, preferiu manter o silêncio.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que teve o pai assassinado durante o regime militar, destacou que diversas instituições foram atacadas durante o período e que “flertar” com esse fato é afrontar o texto constitucional. “É gravíssima a manifestação do deputado, que é líder do partido do presidente da República. É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade”, disse.

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) demonstrou “profunda preocupação” com o caso. “Um novo AI-5 representaria uma grave afronta à democracia e à Constituição Federal, por promover cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos, demissões e perseguições, fechamento do Congresso Nacional e intervenção nos estados e municípios”, afirma nota da instituição.

A oposição ao governo na Câmara informou que fará representação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a declaração do deputado, por incitação e apologia ao crime. A notícia-crime é de iniciativa do PSol, mas tem apoio de PT, PDT, PSB e PCdoB. O movimento Livres também anunciou que vai entrar com representação na Justiça para a cassação de Eduardo Bolsonaro.

Ao Conselho de Ética da Câmara cabe receber a representação, abrir um processo e designar um relator. Os deputados do colegiado vão apurar os fatos, assegurar ampla defesa a Eduardo e, em seguida, o relator vai divulgar parecer — que pode ser a favor ou contra a cassação. A figura do relator também pode sugerir outras penalidades, como suspensão do mandato. Qualquer sanção definida no Conselho precisa do endosso do plenário da Casa, decidido em votação aberta, no prazo de 90 dias. Eduardo Bolsonaro pode recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) após a votação do parecer no Conselho de Ética.

Insatisfeitos

Integrantes do PSL insatisfeitos com Eduardo Bolsonaro, como o senador Major Olimpio (SP) e a deputada Joice Hasselmann (SP), também criticaram o filho do chefe do Executivo. O presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE), repudiou a declaração de Eduardo, acentuando a crise interna e dizendo que a democracia “não é negociável”.

A Oxfam Brasil divulgou nota pública do chamado Pacto pela Democracia, assinada por 56 ONGs e representantes de organizações da sociedade civil rechaçando as declarações de Eduardo Bolsonaro. Entre os colaboradores estão o Instituto Sou da Paz e o Ocupa Brasil. Além deles, o Instituto Vladimir Herzog, afirmou que “não é a primeira vez que alguém da família Bolsonaro, inclusive o presidente, faz apologia à ditadura militar e, assim, põe em xeque a democracia brasileira”.