Correio Braziliense, n. 20700, 25/01/2020. Política, p. 2

Moro resiste, por enquanto

Renato Souza
Ingrid Soares



Um dia depois de admitir estudar o desmembramento do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o presidente Jair Bolsonaro recuou da intenção. O passo atrás do chefe do Executivo mostra a força que ainda tem o ministro Sergio Moro, titular da pasta e o mais popular do governo. Ontem, o ex-juiz ganhou apoio do vice-presidente Hamilton Mourão. Além disso, ele havia conquistado politicamente parte da ala militar do governo. Se a divisão fosse concretizada, o ministro perderia 80% das atuais atribuições e, com elas, grande parte do protagonismo que desfruta hoje. Nos bastidores, ele fez chegar ao chefe, por meio de interlocutores, que deixaria o cargo se a ameaça se concretizasse.
Moro permanece apreensivo, até porque, na declaração em que negou a eventual separação de pastas, Bolsonaro não descartou em definitivo a ideia. "A chance no momento é zero. Tá bom ou não? Tá bom, né? Não sei amanhã. Na política, tudo muda, mas não há essa intenção de dividir", ressaltou, na Índia, onde ficará até segunda-feira em viagem oficial. Depois, em entrevista ao Jornal da Band, ele reclamou da forma como foi tratada sua declaração de estudar a recriação do Ministério da Segurança. "Vão para a maldade, como se eu estivesse já interessado. Não preciso fritar ministro para demitir. Nenhum ministro meu vive acuado, com medo de mim. As minhas ações são bastante pensadas e muito bem conversadas antes. O assunto tomou uma proporção que não sei por quê", criticou.
Apesar de viver testando os limites de Moro, com estocadas sucessivas no ministro — um eventual adversário nas eleições de 2022 —, Bolsonaro garantiu que não tem nenhum problema com o ex-juiz. "Todos os meus ministros são tratados de maneira igual, dei liberdade para todos eles definirem seus ministérios, e eu tenho poder de veto. Não abro mão disso, porque na política quem dá o norte sou eu", ressaltou. "Repito: todos os ministros têm o mesmo valor para mim e eu interfiro em todos os ministérios. Não existe qualquer fritura, nenhuma tentativa de esvaziar o senhor Sergio Moro. Muito pelo contrário, ele está fazendo um bom trabalho no tocante à segurança."
O presidente destacou que o ex-magistrado e os secretários de Segurança dos estados têm mostrado bom desempenho no setor. "Ele faz a parte dele. Temos batido o recorde de apreensão de drogas. A questão de isolar os cabeças do crime organizado de São Paulo, uma questão judicial do estado de São Paulo, nós demos a cobertura. Se não, não poderia ser cumprida. Ajudou, e muito, a questão de combater a violência no nosso país, e está indo bem. Nada além disso", concluiu.

Encontro
Ontem de manhã, Moro se reuniu com Mourão e recebeu apoio. Questionado sobre o assunto, o presidente em exercício respondeu que chegou a conversar com chefe do Executivo sobre o caso. "Algumas vezes, nós já trocamos ideias a esse respeito. Ele apenas me perguntou, e eu respondi que do jeito que está, está bom. Considero que a situação que estamos vivendo é um time que está vencendo. Usando aquele velho chavão, time que está ganhando a gente não mexe", declarou.
O encontro entre Mourão e Moro durou cerca de 30 minutos e não constava na agenda oficial de nenhum dos dois. O teor dos assuntos tratados não foi divulgado. Na saída, o ministro evitou a imprensa. Posteriormente, o vice-presidente disse que falou com o ex-juiz sobre a criação da Força Nacional Ambiental contra o desmatamento e negou que tenha tocado na hipótese de separação ministerial entre Segurança e Justiça. (Colaborou Rosana Hessel, enviada especial à Índia)

Pedido
Bolsonaro disse que recebeu de secretários estaduais de Segurança o pedido de divisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública e que prometeu estudar a possibilidade. "Alguns (secretários), não são todos, estão querendo a divisão. Alguns podem estar bem-intencionados e outros podem querer enfraquecer o governo", afirmou, ontem, o chefe do Executivo.