Correio Braziliense, n. 20699, 24/01/2020. Política, p. 5

Reformas em ritmo lento
Bernardo Bittar


À revelia do governo, que trata a reforma administrativa como prioridade, o Congresso pretende analisar primeiro a reforma tributária. Em dezembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, instruiu líderes governistas a não acelerarem a tramitação do texto, destacando a intenção de enviar o projeto “aos poucos”. A ideia é complexa e não avançou no ano passado por falta de consenso entre as propostas avaliadas pela Câmara e pelo Senado. A saída foi optar por uma comissão mista, ainda a ser instalada. Representantes das duas Casas ficarão a cargo das análises.

Escolhido para presidir o colegiado, o líder do bloco PSDB/PSL no Senado, Roberto Rocha (MA), apontou a possibilidade de uma proposta única ser criada em um mês. Assim, haveria mais celeridade.

“Câmara e Senado têm textos semelhantes. O governo também não deve trazer uma ideia muito diferente. É o mesmo chassi, muda apenas a carroceria. É possível fazer um trabalho a contento e ter dinamismo”, frisou. Para o deputado Tadeu Alencar (PSB-PE), “não tinha clima para isso no ano passado”. Mas, agora, analisou o parlamentar, “o clima está mais favorável”.

Líderes admitiram que a reforma tributária pode “engolir” a administrativa, tratada pela equipe de Guedes como “o primeiro item da pauta”. No Ministério da Economia, assessores do ministro explicaram a necessidade de fazer a reorganização da máquina pública antes de reformular tributos.

“A ideia de otimizar o funcionalismo é mais importante para a pasta por questões estratégicas. Ainda falta mais discussão antes de o governo enviar um projeto redondo sobre a reforma tributária para o Congresso”, afirmou um técnico da pasta.

O líder do PSol na Câmara, deputado Ivan Valente (SP), concordou com a possibilidade de desacelerar o projeto. Para o parlamentar, a simplificação dos tributos vem atrás da necessidade de cortar gastos com os servidores no projeto de reforma administrativa.

Impopular

Segundo o analista político da HC7 Investimentos Carlos Alberto Moura, as questões trazem fins “diferentes”. Uma delas, a reforma administrativa, terá o peso de uma nova reforma da Previdência. “Outra medida impopular em ano eleitoral. Pode ser prioridade para o governo, mas os parlamentares não querem subir no palanque para responder aos questionamentos dos servidores”, explicou.

Ao defender seu ponto de vista, o especialista explicou que “a simplificação dos tributos dá a impressão de trazer benefícios, como a desburocratização. Será, certamente, mais popular entre os eleitores.”

Moura salientou a necessidade de o Executivo entender-se com o Legislativo, porque a cúpula do Congresso tem a facilidade de implementar votações extremamente difíceis, como a das propostas de emenda à Constituição (PECs). “E, se olhar com cautela, vai notar que o governo, talvez, não tenha essa mesma habilidade.”

Outro fator que complicaria o cenário é a dificuldade de diálogo entre o presidente Jair Bolsonaro e a segunda maior legenda da Câmara, o PSL — do qual se desfiliou.

“O partido está dividido, e a base do governo é fraca. Melhor conversar com parlamentares e tentar um acordo que não ganhe contornos de queda de braço”, ponderou.

Menos incisivo que os colegas, o senador Márcio Bittar (AC), vice-líder do MDB, disse que “os projetos têm, basicamente, um mesmo norte: buscar a maior eficiência do Estado e modernizar os serviços prestados pelo governo”.

Ele defendeu a abertura de diálogo entre os poderes e afirmou ser importante “um cálculo na ponta do lápis” sobre quais benefícios os dois projetos trariam à população.