Título: Os entraves do combate à violência
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, País, p. A2
Falta de dinheiro e resistência das polícias dificultam programas preventivos
Falta de dinheiro, baixo índice de atendimento, mudanças de governos e resistência das polícias estão entre as dificuldade para implantar projetos de prevenção ao crime e à violência nos estados e municípios. É o que mostram os mais de 180 relatórios enviados à Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça.
Os relatórios foram publicados semana passada pela secretaria no Observatório Democrático de Práticas de Prevenção à Violência e Criminalidade no Brasil, banco de dados disponível para consultas pela internet com o objetivo de debater as políticas preventivas de combate à criminalidade.
Os documentos demonstram que as polícias Militar e Civil são as instituições que mais apresentam resistência a programas de prevenção da criminalidade, principalmente quando envolve maior contato com a comunidade e aplicação de cursos de direitos humanos.
Os programas educacionais de resistência às drogas (Proerd), por exemplo, sofrem com a falta de dinheiro e estrutura em vários estados. A coordenação do programa no estado do Rio informou à secretaria que enfrenta diversas dificuldades, como a ''carência'' de recursos financeiros para aquisição de material didático, falta de equipamentos audiovisuais para manutenção de atividades de atualização de instrutores, falta de espaço físico para formação de instrutores, evasão de instrutores para outras áreas e carência de suporte para o desenvolvimento técnico-profissional dos instrutores.
No Rio, o Proerd consiste num esforço cooperativo da Polícia Militar, escolas e famílias para prevenir o uso de drogas. Entre as instituições parceiras do programa estão a Secretaria Estadual de Educação, as secretarias municipais e o Ministério Público. A coordenadora do programa que enviou o relatório à secretaria, a capitão PM Tânia Santos Loos, não foi localizada em seu celular.
Também no Rio, o Módulo Policiamento Comunitário - conduzido pela PM - tem como principais dificuldades a ''falta de apoio e compreensão da relevância do programa por alguns dos atores sociais envolvidos'' e a ''não manutenção'' do programa ''durante certos períodos do governo'', segundo relatório enviado à Secretaria Nacional de Segurança.
A dificuldade com os programas de prevenção às drogas ocorre em vários outras cidades. Em Caçador (SC), o projeto Escola, Polícia, Empresas e Comunidade - para orientar crianças quanto ao uso de drogas - tem dificuldades de apoio financeiro, aquisição de material e ação voluntária de psicólogo e pedagoga. Em Curitiba, o projeto Polícia Cidadã tem viaturas em número insuficiente e em mau estado de conservação. Também faltam equipamentos.
Na Bahia, o Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual - coordenado pela Secretaria de Segurança Pública - apresenta como principais dificuldades a ''indisponibilidade de vale-transporte para os pacientes viabilizarem o deslocamento'', impedindo a continuidade do tratamento dos mais pobres. O programa não tem ramais de telefone internos para que os profissionais possam se comunicar em sigilo com os pacientes, familiares e instituições parceiras.
Em Muriaé (MG), o tenente da PM Ivanim Pimentel de Paiva deixou no ano passado o programa Escolinha de Futebol Bom de Bola, Bom na Escola. Em um relatório que enviou à Senasp, Ivanim aponta como maiores dificuldades a falta de apoio do poder público, a ''interferência de pessoas ligadas ao tráfico'', e as ''ameaças de traficantes'', além de ofertas em dinheiro para que as crianças deixem o projeto. As aulas eram ministradas no campo do Operário Futebol Clube, time amador da localidade.
- O presidente do Operário queria que meu pai entrasse em campeonatos e ganhasse todos os jogos. Mas meu pai só queria formar pessoas - lamenta Tiago Pimentel, de 14 anos, filho do tenente Ivanim.
Em Ubá (MG), quem cuidava do Bom de Bola, Bom de Escola era o cabo da PM Jorge Luiz Dantas Bastos. Em relatório enviado à Senasp, ele coloca como principal dificuldade a falta de patrocinadores e recursos humanos. Em 12 meses, o programa recebeu R$ 400, dinheiro ''do próprio coordenador'', segundo o relatório.