Título: ''Crime organizado quer o poder''
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, País, p. A3
Quando era procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, Antonio Carlos Biscaia foi o artífice do processo que levou para a cadeia os 14 maiores banqueiros de bicho da cidade. Aclamado pelos colegas do PT como presidente da mais importante comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça ¿ por onde passam todos os projetos ¿ Biscaia não esquece a bandeira que o fez concorrer a um mandato de deputado federal: a luta pela ética na política. Não foi por acaso que assumiu umas das coordenações da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção e, por isso, não surpreende a sua decisão de priorizar a tramitação da reforma política, que considera instrumento decisivo para moralizar o processo eleitoral. ¿ Sem o enfrentamento da corrupção nas campanhas eleitorais não conseguiremos alterar a vida política do país e iniciar o processo de transformação social que almejamos ¿ proclama.
O deputado afirma que o crime organizado tem dois objetivos ¿ o lucro e a conquista do poder ¿ e já conta com representação nas prefeituras, câmaras de vereadores, assembléias legislativas e até mesmo na Câmara dos Deputados.
¿ Na Câmara hoje estão pessoas que têm notórias ligações com o crime organizado. Se não dermos um basta nisso, vamos chegar à situação da Colômbia, onde Pablo Escobar se elegeu senador.
¿ Como foi o processo de escolha para a Comissão de Constituição e Justiça?
¿ Pela tradição, o PT, com o maior número de parlamentares, teria direito a indicar o presidente da comissão, que é a mais importante. No partido, sou independente. Não pertenço nem ao campo majoritário nem às tendências mais à esquerda. Achei que possuía credenciais para me apresentar como candidato. Pelo campo majoritário, também postularam o cargo os deputados Sigmaringa Seixas e José Eduardo Cardozo, dois deputados da mais alta qualificação e com os quais tenho excelente relação pessoal.
¿ E como foram as negociações?
¿ Cada tendência se reuniu. Não sei o que discutiram. Acabei eleito por aclamação. Segundo me contaram depois, fui beneficiado pelo efeito Severino. Os companheiros queriam um nome que, além da respeitabilidade, tivesse condições de unir a bancada, de representar o consenso. Isso foi alcançado e se tornou altamente positivo para o partido. Minha eleição foi, talvez, o mais importante gesto de unidade da bancada federal, desde o início de 2003. Lamentavelmente, a partir do governo Lula, o clima entre os deputados ¿ tão unidos quando eram da oposição ¿ piorou muito. O antagonismo ultrapassou as divergências, que têm de ser respeitadas.
¿ Como o senhor se coloca nesse redemoinho?
¿ Não me posiciono intransigentemente a favor de tudo aquilo que o governo faz e também não sou daqueles que agem como se estivessem num partido da oposição. Tenho consciência de que estamos no poder e de que a realidade política torna necessárias as alianças, desde que sejam feitas de acordo com os princípios programáticos e éticos do partido.
¿ Quais as suas tarefas mais importantes na comissão?
¿ As prioridades são as reformas política, sindical e a regulamentação da reforma do Poder Judiciário. A política já está pronta para ser votada pela comissão. Estou realizando contatos para colocá-la em pauta com a perspectiva de ser aprovada, porque contém pontos polêmicos.
¿ Quais os pontos positivos, na sua opinião?
¿ É urgente a adoção da fidelidade partidária. É um anseio da maioria da Casa e da sociedade. Não podemos postergá-la, para acabar com esse troca-troca vergonhoso, que ocorre com tanta freqüência. As coligações para as eleições proporcionais também precisam acabar. As coligações são próprias da eleição majoritária. O voto proporcional é para definir idéias e não para que partidos se juntem com o objetivo de dar quociente eleitoral para um candidato.
¿ E a cláusula de barreira?
¿ Também é uma medida urgente. Qualquer partido precisa ter um percentual mínimo de 5% dos votos, que permitam a sua existência concreta, legal, com direito a ter líder na Câmara, verbas do fundo partidário, programa eleitoral gratuito. Temos de combater os partidos de aluguel.
¿ Quando se fala em financiamento público das campanhas, a polêmica se inicia...
¿ Defendo o financiamento público, embora saiba das dificuldades de fiscalização. Temo que a Justiça Eleitoral não consiga montar uma estrutura para exercer um controle eficiente. O perigo é que venha o financiamento público e persistam os recursos privados, o chamado caixa dois. Temos de buscar mecanismos para evitar que isso aconteça.
¿ O financiamento público pressupõe as listas de candidatos. Os mais bem colocados nas listas seriam os eleitos. É nesse ponto que as restrições aumentam.
¿ Este, de fato, é o ponto mais polêmico e difícil. Quero fazer reuniões com os presidentes do partidos, para desenvolver democraticamente os trabalhos, em busca de um entendimento. Há uma disposição transitória estabelecendo que, para 2006, a lista seria a mesma do resultado eleitoral de 2002. É uma tentativa de buscar mais apoio para a proposta.
¿ E como fica o combate à corrupção eleitoral? O crime organizado está entrando na política?
¿ Nas últimas décadas a situação tem se agravado. Mesmo num lugar com a tradição do Estado do Rio, que represento, o crime organizado já apóia candidaturas. Hoje, em várias partes do país, já conta conta com representantes nos poderes executivo e legislativo. O maior risco é que além de tentar conquistar o poder, o crime organizado passe a agir tentando calar quem se opõe à sua atuação.
¿ Como se combate essa ameaça?
¿ Tem que haver o enfrentamento de todo o tipo de corrupção no proceso eleitoral e a implantação de um sistema de segurança para combater a criminalidade organizada. As secretarias nacionais de Segurança e de Justiça estão no caminho certo. O que falta ainda é o estreitamente das parcerias com os estados, embora venham se registrando avanços. A Polícia Federal tem atuado contra a corrupção e o crime organizado como nunca ocorreu antes, sem preocupação com a linha partidária dos investigados.
¿ A lentidão do Poder Judiciário é outra preocupação nacional. Como a Comissão de Constituição e Justiça pode atuar nessa área?
¿ As mudanças constitucionais, por si só, não vão provocar aquilo que é o maior objetivo de uma reforma do Judiciário, a democratização deste Poder e a maior rapidez no acesso à Justiça. Vamos deixar de lado as mudanças dos códigos como um todo, que são complicadíssimas e nos concentrar em projetos que alterem capítulos e aspectos específicos. Essa é a linha que estamos seguindo.
¿ A reforma sindical também está provocando polêmica.
¿ A reforma sindical é o resultado de dois anos de discussão numa comissão dentro do Ministério do Trabalho, com representação patronal e sindical. Ainda não analisei a fundo a proposta, mas, se está provocando polêmica, vamos colocar esses pontos em discussão.
¿ E o efeito Severino que o senhor citou antes? De alguma forma já repercutiu sobre o seu trabalho na comissão?
¿ Considero que são justificáveis as críticas do presidente da Câmara ao número excessivo de medidas provisórias baixadas pelo Poder Executivo em matérias totalmente inadequadas para tal fim. Só que o presidente Severino Cavalcanti está adotando um procedimento semelhante que, se vier a se tornar rotineiro, pode causar prejuízos ao processo legislativo. É a inclusão excessiva em pauta de projetos em regime de urgência urgentíssima. Com isso o projeto vai a votação sem passar pela comissão.
¿ Isso é ilegal?
¿ Não é ilegal, mas também não é recomendável. Muitas vezes o plenário aprova o regime de urgência urgentíssima sem que perceba, com profundidade, aquilo que está votando. Já falei com o presidente sobre a minha preocupação.
¿ Qual seria o motivo dessa nova rotina?
¿ O presidente faz isso atendendo a pedidos de deputados. E há um outro problema. A freqüência às terças, quartas e quintas é obrigatória e tem de ser marcada no painel. Só que, antes, a presença só podia ser marcada a partir das 14h. Agora isso é permitido a partir das 8h. Vamos supor que um deputado marcou presença bem cedo e voou, logo depois, para o seu estado. Se, à tarde, o painel estiver marcando 257 deputados presentes você aprova o que quiser. Se a urgência urgentíssima for aprovada, o parecer sobre o projeto em pauta é dado oralmente em plenário.
¿ Como evitar esse excesso?
¿ O líder de um partido pode pedir verificação de quórum. Se não houver presença suficiente, cai a sessão. É isso que o PT tem que fazer. Estou tornando esse fato público pela primeira vez e vou levar o problema à bancada do meu partido.
¿ O senhor falou em respeitar a ética, na hora de se fazer alianças partidárias. Para alguns analistas, o PT não está tomando cuidados suficientes.
¿ Quando as situações ocorrem eu me posiciono. Manifestei na Câmara minha oposição à escolha do presidente do INSS (indicado pelo PMDB), o ex-senador Carlos Bezerra, pelo fato de que iria gerir um orçamento de R$ 127 bilhões e estava (como ainda está) respondendo a investigações processuais. Argumentaram que ele não sofreu nenhuma condenação. Objetei que, para quem vai administrar um orçamento desse vulto, é melhor que não paire qualquer tipo de dúvida.
¿ Na atual reforma ministerial fala-se muito em partidos, nomes, cargos e orçamentos e praticamente ninguém se refere a programas e princípios.
¿ Uma aliança partidária tem que ser programática e nunca almejar apenas cargos no governo. Esta tem sido uma grande preocupação minha. Assim que esse governo começou, me preocupei com a situação da Delegacia Regional do Trabalho no Rio, uma área tradicionalmente marcada pela corrupção. Falei com Jaques Wagner, ministro do Trabalho na época. Ele me disse que as indicações feitas por outros partidos seriam submetidas a uma avaliação.
¿ Como se avalia um aliado?
¿ Qualquer nomeação tem que atender os requisitos de integridade e ética. Não é concebível nomear alguém sobre o qual não há essa certeza.
¿ Quais seriam, então, os cuidados que o senhor recomendaria para a reforma ministerial?
¿ Espero que a reformulação, decorrente das necessárias alianças partidárias, coloque no ministério pessoas comprometidas com os valores que o PT sempre defendeu. Não se faz aliança a qualquer preço. Não posso aceitar que as nomeações sejam parte de processos fisiológicos. Foi a preocupação com a ética na política que me fez ingressar no Partido dos Trabalhadores. E por esse motivo votei, por exemplo, contra a concessão de foro privilegiado para o presidente do Banco Central