Correio Braziliense, n. 20699, 24/01/2020. Saúde, p. 14

Autoridades em alerta, cientistas atarefados


Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), está “muito cedo” para decretar que o coronavírus que apareceu na China e começou a se espalhar por outros países constitui uma “emergência de saúde pública de alcance internacional”. A decisão foi tomada ontem, após uma reunião em Genebra, na Suíça. Também atentos à situação, pesquisadores tentam desvendar a origem do micro-organismo misterioso, responsável por ao menos 18 mortes. Dois estudos científicos sinalizam que morcegos e cobras podem ser os portadores da cepa. Como não há consenso sobre os dados, espera-se os resultados de novas investigações.

A situação, portanto, é de pesquisa e alerta. “Não se equivoquem, é uma emergência na China. Mas ainda não é uma emergência sanitária mundial. Pode se tornar”, avisou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da OMS. Ele também pediu às autoridades chinesas que garantam que os bloqueios de transporte em várias cidades sejam estratégicos. “A China tomou medidas que considera apropriadas para frear a propagação do coronavírus em Wuhan e em outras cidades. Esperamos que sejam curtas e eficazes”, disse Ghebreyesus. “Sabemos que há transmissão entre pessoas na China, mas, até agora, parece estar limitada a grupos familiares e a trabalhadores de saúde que atenderam a pacientes infectados.”

Nos laboratórios, os trabalhos têm se voltado para os animais que transmitem o vírus para os humanos. Um estudo publicado, na terça-feira, na revista Science China Life Sciences, patrocinado pela Academia Chinesa de Ciências de Pequim, analisou a relação entre a nova cepa e outros vírus. O estudo revelou que o coronavírus misterioso está estreitamente relacionado a uma cepa existente em morcegos. “O fato de os morcegos serem os hospedeiros nativos seria um raciocínio lógico e conveniente, embora ainda seja provável que haja hospedeiros intermediários na rede de transmissão de morcegos aos seres humanos”, destacaram os autores do trabalho, em um comunicado à imprensa.

Um segundo estudo, publicado na quarta-feira, no periódico Journal of Medical Virology, apontou as cobras como possíveis responsáveis pelo vírus. “Para procurar um potencial reservatório do vírus, realizamos uma análise completa de sequências genômicas e comparações. Os resultados da nossa análise sugerem que a cobra é o reservatório mais provável entre os animais silvestres”, ressaltaram os autores. Eles também destacaram que as conclusões requerem “maior validação por meio de estudos experimentais em modelos animais”.

Cientistas contestaram os resultados desse estudo alegando que ainda não existem provas de que o vírus possa infectar espécies que não sejam mamíferos e aves. “Nada apoia o envolvimento de cobras”, declarou à revista britânica Nature David Robertson, virologista da Universidade de Glasgow, no Reino Unido. O especialista explicou que é improvável que o coronavírus responsável pelo surto tenha infectado qualquer hospedeiro animal secundário por tempo suficiente para alterar seu genoma de forma significativa. “Leva muito tempo para que esse processo aconteça”, justificou.

Virologista da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Eduardo Brandão tem opinião parecida. “Eles não têm evidências de que as cobras possam ser infectadas por esse novo coronavírus e servir de hospedeiro. Não há evidências consistentes de coronavírus em hospedeiros além de mamíferos e aves”, afirmou também à revista Nature.

Animais exóticos

O mercado de pescados da cidade de Wuhan, onde acredita-se que o vírus apareceu, oferece uma variedade de fauna exótica à venda, incluindo raposas vivas, crocodilos, filhotes de lobo, salamandras gigantes, cobras, ratos, pavões, porcos-espinhos e carne de camelo, entre outras. Ontem, em Pequim, o diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, Gao Fu, destacou que as autoridades acreditam que o vírus provavelmente veio de “animais selvagens no mercado de pescados”.

O combate efetivo do coronavírus começou quando um cientista chinês admitiu que o vírus pode ser transmitido de humano para humano, e não apenas de animal para humano. Outra preocupação é sua semelhança genética com o micro-organismo da mesma família responsável pela síndrome respiratória aguda severa (Sars). Segundo Arnaud Fontanet, chefe do Departamento de Epidemiologia do Instituto Pasteur, em Paris, 80% da genética do novo vírus é igual à do micro-organismo que matou cerca de 650 pessoas, na região, entre 2002 e 2003. Na ocasião, os morcegos foram apontados como transmissores dos patógenos para os humanos.

Frases

“Não se equivoquem, é uma emergência na China. Mas ainda não é uma emergência sanitária mundial. Pode se tornar”

Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde

“Não há evidências consistentes de coronavírus em hospedeiros além de mamíferos e aves”

Paulo Eduardo Brandão, virologista da Universidade de São Paulo