O Estado de S. Paulo, n. 46904, 19/03/2022. Política, p. A10

Moraes determina o bloqueio do Telegram em todo o país

Weslley Galzo
Levy Teles
Gustavo Queiroz
André Borges


 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão "completa e integral" do aplicativo de troca de mensagens Telegram no País. Moraes justificou a decisão com base no descumprimento de ordens judiciais anteriores, que exigiam ações como o bloqueio de perfis ligados ao blogueiro bolsonarista Allan do Santos, assim como a retirada da monetização de conteúdos produzidos por essas contas. A medida, porém, suscitou críticas em relação a sua proporcionalidade, ao impacto no direito à comunicação e sobre o foro competente.

Moraes também ordenou "sanções civis e criminais", e multa diária de R$ 100 mil para quem usar "subterfúgios tecnológicos" com a finalidade de continuar a usar o Telegram, banido no País na mesma ação. Logo após a decisão, grupos bolsonaristas passaram a discutir alternativas para driblar o bloqueio da rede social – entre elas, estavam a rede virtual privada (VPN) ou o proxy. Ambos mascaram a origem de acesso de um internauta. Assim, uma pessoa no Brasil pode simular que está usando a internet em outro país.

O Telegram é uma das preocupações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na campanha eleitoral deste ano porque não tem sede nem representação legal no Brasil e por não atender a contatos do Judiciário. Há receio, ainda, com a baixa moderação do aplicativo, usado para disseminar desinformação e discursos de ódio.

Desculpas. Ontem, o CEO do Telegram, o russo Pavel Durov, por meio do próprio aplicativo, pediu desculpas ao Supremo pela "negligência" da empresa ao não responder a determinações e solicitou que a Corte adie o bloqueio definitivo da plataforma para que a situação possa ser resolvida. Durov também afirmou que não teve a intenção de descumprir o último pedido de bloqueio de um perfil com o nome do blogueiro Allan dos Santos.

"Cumprimos decisão judicial anterior no final de fevereiro e respondemos com uma sugestão de enviar futuras solicitações de remoção para um endereço de e-mail dedicado. Infelizmente, nossa resposta deve ter sido perdida, porque o tribunal usou o antigo endereço de e-mail de uso geral em outras tentativas de entrar em contato conosco", declarou o CEO.

Para Moraes, contudo, o Telegram agiu com "desprezo", "total omissão" e "falta de cooperação" com a Justiça brasileira. O despacho, assinado anteontem e divulgado ontem, atende a pedido da Polícia Federal. Em relatório enviado a Moraes, a PF citou 11 vezes em que a rede social foi suspensa em outros países por não se submeter a diretrizes locais.

Empresas responsáveis pela distribuição de aplicativos em lojas virtuais, como Google e Apple, são obrigadas a remover em até cinco dias o Telegram de sua grade de produtos. O mesmo foi exigido de provedores de internet. Moraes fixou multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento.

O bloqueio do Telegram vinha sendo aventado por outras instituições, como TSE e Ministério Público Federal em São Paulo, que conduz inquérito civil público contra a desinformação nas redes sociais. Moraes vai presidir a Corte Eleitoral durante as eleições. O ministro é relator de outros inquéritos sobre redes de desinformação, como o das fake news e o das milícias digitais.

Presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da seccional da OAB no Rio, Estela Aranha disse considerar um problema o fato de o Telegram não cumprir decisões judiciais, mas destacou que pode ser um problema maior "fazer medidas amplas e genéricas em relação a aplicativos que têm impacto muito grande sobre seus usuários".

A decisão tem potencial, por exemplo, para afetar serviços como o envio de alertas entre servidores e órgãos públicos sobre ocorrências de chuvas na cidade de São Paulo. Hoje, esses alertas são enviados pelo Centro de Gerenciamento de Emergência, que usa o aplicativo para acionar 445 gestores ligados à Defesa Civil, subprefeituras, Guarda Civil Metropolitana e a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

Críticas. O presidente Jair Bolsonaro classificou a decisão de Moraes como "inadmissível". "Porque não conseguiu atingir duas ou três pessoas que, na cabeça dele, deveriam ser banidas do Telegram, ele atinge 70 milhões de pessoas, podendo causar óbitos pela falta do contato (entre) paciente médico", disse o presidente, ontem, durante encontro de pastores em Rio Branco (AC).

O Telegram está em 53% dos smartphones no Brasil. Candidato à reeleição, Bolsonaro tem 1,086 milhão de seguidores no aplicativo, que abriga bolsonaristas banidos do Twitter, Facebook e Instagram. Os filhos do presidente também são usuários. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tem 94 mil inscritos; o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-rj), que cuida das redes do pai, possui 78 mil e o deputado Eduardo Bolsonaro (União Brasil-sp), 53 mil.

Favorito nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 48.566 seguidores no app. Ciro Gomes (PDT) tem 19.279 e Sérgio Moro (Podemos), 5.339. / Colaboraram Gustavo Queiroz e André Borges

Desobediência

Ao justificar decisão, Moraes disse que empresa descumpriu medidas judiciais