O Estado de S. Paulo, n. 46904, 19/03/2022. Política, p. A16

Pastores intermediavam reuniões no MEC, afirmam prefeitos

Julia Affonso
André Shalders
Breno Pires
Felipe Frazão


 

Prefeitos ouvidos pelo Estadão admitiram que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, sem vínculos com a administração pública nem com o setor de ensino, atuaram na intermediação de reuniões com o ministro da Educação, Milton Ribeiro. Os relatos mostram que os pastores se ofereceram para “resolver problemas” de prefeitos no MEC – de auxílio em prestações de contas atrasadas a pedidos de liberação de verbas para compra de ônibus escolares e construção e reforma de escolas.

Como revelou o Estadão ontem, o gabinete de Milton Ribeiro foi capturado por pastores ligados a ele. Lideram o grupo Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. Para especialistas, a atuação dos pastores pode configurar crime de usurpação da função pública.

Em encontros promovidos com pastores, Ribeiro já declarou que prefere fazer contato direto com prefeitos, sem a intermediação de deputados ou senadores. “Nós já fizemos em alguns lugares (encontros com prefeitos). Sem política, sem discurso de parlamentar. Respeito os parlamentares, mas é técnica”, afirmou o ministro.

O prefeito de Guarani D’oeste (SP), Nilson Caffer (PTB), disse que os pastores se apresentaram para ajudar a solucionar questões dentro do MEC. “Coisas que eu não sabia em que porta bater, eles saberiam me orientar. Ajuda para resolver alguma coisa que eu não desse conta. Por exemplo, eu tenho um negócio enroscado aí, que não sai, essas coisas, para falar com eles, que eles iam me direcionar nos locais certos”, afirmou Caffer, sem detalhar o que seriam “enroscos”.

Em Israelândia (GO), a prefeita Adelícia Moura (PSC) declarou que foi incluída na lista de uma reunião pelo pastor Arilton. “Eu tinha algumas demandas e fui para tentar resolver. O rapaz que organizou (Arilton) que me incluiu na lista dessa reunião”, disse ela, que administra uma pequena cidade a 180 km de Goiânia.

O prefeito de Jaupaci (GO), Laerte Dourado, afirmou ao Estadão que é “amigo do pessoal” dos pastores. Por intermédio deles, esteve duas vezes no MEC. A primeira foi uma reunião em janeiro. Buscava investimento

de R$ 800 mil para “reformar escola” e “comprar ônibus”, e os pastores lhe disseram que iriam ajudar. Em ambas as agendas, segundo o prefeito, Gilmar e Arilton conseguiram encontros com Ribeiro. “Vim naquela reunião dos prefeitos e depois voltei.”

Já o prefeito de Jandira (SP), Doutor Sato (PSDB), declarou que frequentava a igreja dos pastores e que foi levado por eles para falar com o ministro. “Foi fantástico, uma coisa divina.”

Procurados pelo Estadão, os pastores admitiram que levam prefeitos ao gabinete do ministro, mas não explicaram por que participam de reuniões em que são discutidas liberações de verba para municípios. Negaram qualquer contrapartida pelo acesso ao MEC.

‘Atendimento’. “Nunca houve direcionamento de recursos, houve atendimento, o ministro com sua equipe dando orientações, respondendo a perguntas sobre recursos do MEC, sobre equipamentos escolares”, disse Gilmar. O pastor sustentou ainda que recebe pedidos de prefeitos por ser chefe da igreja e que, pela amizade com o ministro, podem usar seu nome no MEC. “Não tenho nenhuma influência, nenhuma autonomia em questão de prefeitos, do ministro, participei de algumas reuniões sempre falando num momento devocional, fazendo uma oração pela nação.”

Arilton alegou que nunca participou de reunião sobre obras em municípios, embora a agenda oficial do ministro registre o contrário. Em 24 de fevereiro, está escrito no tema do encontro “obras” e a informação de que foi o próprio pastor quem solicitou a reunião. Na ocasião estavam presentes prefeitos do Maranhão. Procurado, Milton Ribeiro não se manifestou. •

Acesso

Pastores Gilmar Santos e Arilton Moura estiveram em 22 agendas oficiais no MEC, nos últimos 15 meses