O Estado de S. Paulo, n. 46904, 19/03/2022. Bem Estar, p.D4

Desafios do envelhecer

Kátia Arima


 

A terceira idade que viaja, pratica esportes, dança e tem uma vida social ativa é aplaudida nas redes sociais, mas pode ofuscar a faceta do envelhecimento. Com a longevidade da população vêm também as limitações físicas ou cognitivas – que não raramente aparecem juntas e ameaçam a autonomia dos idosos. "É glamourosa essa velhice que tem namoro e salto de paraquedas, mas quando o idoso apresenta declínio do corpo e da mente, as famílias ficam perdidas", diz a psicóloga e gerontóloga Margherita Cassia Mizan. Ela conta que quando trabalhava no Residencial Israelita Albert Einstein, onde atuou até 2013, por 14 anos, costumava receber as famílias na primeira visita. "A primeira coisa que elas faziam era procurar uma instituição de longa permanência." Termo adotado atualmente pelos especialistas, instituição de longa permanência para idosos (ILPI) são os residenciais ou casas de repouso, que substitui a palavra "asilo", com conotação negativa. Ao perceber a dificuldade das famílias, Margherita resolveu abrir a própria empresa de cuidadores, a Senior Services, que atende 20 clientes em suas casas, com cerca de 40 cuidadores. "Não é que eu seja contra a ILPI, mas a melhor opção para o idoso, quando possível, é ser mantido em casa", afirma. "Muitas famílias tiram o idoso de casa e geram impacto nele porque mal sabem que há outras soluções."

O dilema entre contratar um cuidador profissional em casa, procurar uma ILPI ou assumir os cuidados será cada vez mais comum nas famílias brasileiras. Na estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos com 80 anos ou mais pode passar de 19 milhões em 2060, um crescimento de mais de 27 vezes em relação a 1980. Em 2016, a estimativa era de 3,5 milhões de pessoas acima dos 80 anos. Além de perda de autonomia, o envelhecimento e as doenças físicas e mentais podem vir acompanhados de comportamentos desafiadores como agressividade, alucinações e hipersexualidade. Proprietário do Residencial Toniolo Memory Care, uma ILPI focada em idosos com demências, o geriatra João Toniolo Neto desenvolveu a ferramenta online Casasrepouso.com, que permite encontrar uma ILPI de acordo com as características desejadas. "Eu vivia fazendo indicações para outras ILPIS, já que o Toniolo não é adequado para todos os idosos. É preciso encontrar a instituição certa para cada pessoa." Segundo ele, existe preconceito em relação às ILPIS em razão de problemas que existem há décadas no Brasil.

"Não é bom quando há idosos com diversas necessidades no mesmo ambiente. Um idoso com demência pode incomodar aquele que está lúcido, mas com limitações físicas. Por isso, muitas ILPIS estão se especializando." A imagem que Claudia Regis Avancine, de 61 anos, tinha das casas de repouso não era boa quando ela começou a pesquisar as opções em São Paulo, há seis anos. Depois de visitar diversas, ela escolheu uma que gostou para a mãe, Gilda Regis, de 94 anos, que tem Alzheimer. "Cuidar dela na minha casa estava caro demais, pois tinha gastos com cuidadores, enfermeiros. E como tenho quatro filhos, a rotina e o ambiente ficavam caóticos", observa. Apesar de sua seleção meticulosa, Claudia se decepcionou com a primeira ILPI. Há quatro anos, Gilda foi transferida para o Residencial Santa Cruz, com o qual Claudia está muito satisfeita. "Ela é bem tratada, faz várias atividades. Sinto até que rejuvenesceu", aprova. A adaptação da mãe à primeira ILPI foi muito dolorida para Claudia. "Eu sentia culpa, como se a estivesse abandonando. Isso me deixou emocionalmente abalada no começo, mas depois percebi que estava tudo bem e que eu estaria sempre por perto", avalia. "Para mim, ser cuidadora da minha mãe é um prazer, mas também é desgastante. Por isso, explico que não há nada de mal em contar com uma instituição, contanto que seja um lugar de confiança." Amiga de Claudia, Regina Junko Miyake Hirama, de 45 anos, recebe em casa uma cuidadora profissional três vezes por semana para as tarefas de cuidado de seu pai, Tatsuo Miyake, de 89 anos, e de sua mãe, Shigeko Miyake, de 88 anos. Shigeko tem Alzheimer e Tatsuo, apesar de ainda ter autonomia, está com restrição nos movimentos.

Ele não aceitava a ideia de receber um cuidador, mas após duas quedas de Shigeko, cedeu. "A cuidadora ajudou a apagar os grandes incêndios, mas falta tempo e energia para me dedicar melhor aos meus filhos, pois sobram afazeres como preparar as refeições, levar a consultas e providenciar medicamentos", observa. Apesar da rotina exaustiva, Regina afirma que é gratificante cuidar dos pais. "É uma oportunidade de retribuir o que fizeram por mim."

Cuidar de quem cuida. Atualmente, a maioria dos idosos dependentes no Brasil recebem cuidados de familiares, afirma Nereida Kilza da Costa Lima, professora da Divisão de Clínica Médica Geral e Geriatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Porém, ela orienta que um idoso com dependências moderadas ou avançadas seja cuidado por vários familiares e, se possível, com apoio de um profissional. "É preciso evitar o cuidador voluntário familiar exclusivo, pois qualquer pessoa precisa de um respiro, de tempo para fazer o que gosta, além de trabalhar." A sobrecarga – emocional e de trabalho – é o maior desafio de um cuidador informal, enfatiza Rosa Chubaci, professora coordenadora do curso de bacharelado em gerontologia da Universidade de São Paulo (USP), que forma profissionais habilitados a fazer a gestão de atenção ao envelhecimento. "Cuidar de um dependente é uma tarefa árdua, o que não quer dizer que seja desgostoso. Além dos cuidados médicos, há tarefas de alimentação, higiene e o aumento dos gastos. Tudo isso traz estafa se ficar a cargo de apenas uma pessoa."

Sandra Regina Simião de Souza, de 51 anos, divide com seu único irmão Florisvaldo de Souza, de 54 anos, as despesas dos cuidados com a mãe, Regina Simião, de 81 anos. Por mês, eles pagam R$ 2.400 a uma cuidadora profissional que os atende 44 horas por semana, além dos gastos com medicamentos, fraldas e outros itens. Regina teve um AVC há mais de dois anos que a deixou com sequelas. Por um ano e meio, Sandra foi responsável pelos cuidados com a mãe, mas resolveu contratar uma cuidadora e saiu da casa, de forma que o irmão se tornasse o cuidador principal.

"Ele assumiu essa responsabilidade para eu poder trabalhar", explica Sandra. Há diversos fatores que limitam as famílias nos cuidados das pessoas dependentes, observa Jorge Felix, coordenador do Centro de Estudos da Economia da Longevidade e professor do curso de bacharelado em gerontologia da USP: as famílias têm menos filhos, a maior participação da mulher no mercado de trabalho e a necessidade de deslocamento para outros Estados e países. "Há diversos fatores que acabam por romper a rede de apoio à pessoa idosa que existia nas gerações passadas", recorda. Por isso, o professor defende que é preciso desenhar uma estrutura de cuidados de longa duração de forma que o idoso envelheça em sua própria casa. "No Brasil, são incipientes as políticas públicas e serviços de cuidados domiciliares a idosos",

Idoso não é criança. Não importa se o idoso usa fralda ou se precisa de ajuda para comer. Ele não deve ser comparado a uma criança, enfatiza Rosa Chubaci, da USP. "Eles têm uma baita experiência de vida, uma história", avisa. Portanto, trate o idoso com a dignidade de um adulto que precisa de ajuda – e explique a ele que não há nada de vergonhoso nisso, orienta ela. É importante não deixar o idoso com um sentimento de inutilidade, algo que acontece se alguém tira as atividades dele, afirma a neuropsicóloga Gislaine Gil, fundadora da clínica Vigilantes da Memória e coordenadora do serviço de gerontologia do Hospital Sírio Libanês. "Quem está próximo do idoso na cozinha não deve desligar o fogão, mas acompanhá-lo e lembrá-lo de fazer isso", exemplifica. Embora seja difícil, é preciso evitar ao máximo o confronto com o idoso. "Tente oferecer uma atividade, alternativas que possam interessar para permitir que ele receba os cuidados", conclui a neuropsicóloga.

"Quando o idoso é tratado com afeto, consegue passar melhor por momentos desafiadores." reforça. Segundo ele, é preciso que seja oferecida assistência a idosos dependentes para fazer compras, ir ao médico ou ao cabeleireiro. "Essa necessidade já é atendida pelo serviço público em alguns países e não é discutida no Brasil. A pandemia escancarou as demandas dessa velhice dependente." Uma estrutura que ajuda a manter a pessoa em sua própria casa é o Centro Dia, espaço de convivência para idosos semidependentes, que oferece atividades e assistência de diversos profissionais, previsto no Estatuto do Idoso. Ainda há pouca oferta pública e privada e desconhecimento dos Centros Dia, mas a demanda é crescente, segundo o professor Felix. "É uma opção intermediária em relação à instituição de longa permanência, em que o idoso dependente é acolhido, mas não passa a noite", ressalta. É vasta a oferta de atividades no Geros Center, Centro Dia privado em São Paulo, com ginástica, artesanato, clube de leitura, futebol. O espaço é adaptado para idosos com mobilidade reduzida e tem uma equipe multidisciplinar à disposição, com educador físico, psicólogo, fisioterapeutas. Auxiliares de enfermagem ajudam nos cuidados. Para participar, é preciso passar por uma avaliação para entender as necessidades do idoso e pagar por período (a partir de R$ 120 por 6 horas, com lanche), por atividade ou aderir a um pacote mensal. "Analisamos o perfil cognitivo e funcional do idoso, realizamos um levantamento de interesses e montamos uma grade de atividades personalizada", acrescenta Roberta Seriacopi Neumann, supervisora de Gerontologia do Geros Center.

"Não é bom quando há idosos com diversas necessidades no mesmo ambiente. Um idoso com demência pode incomodar aquele que está lúcido, mas com limitações físicas. Por isso, muitas Ilpis estão se especializando"

João Toniolo Neto

Geriatra

"Quando o idoso é tratado com afeto, consegue passar melhor por momentos desafiadores"

Gislaine Gil

Neuropsicóloga

"Cuidar de um dependente é uma tarefa árdua. Isso traz estafa se ficar a cargo de apenas uma pessoa"

Rosa Chabuci

Professora da USP