O Globo, n. 31545, 19/12/2019. Mundo, p. 37

Trump sob impeachment

Filipe Barini


Em uma votação histórica, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos considerou o presidente Donald Trump culpado de abuso de poder e obstrução do Congresso, em um processo de impeachment que pôs seu governo contra a parede, mas que tem poucas chances de removê-lo do cargo, dada a maioria governista no Senado, onde ele será julgado.

Eram necessários 216 votos, maioria simples. Na primeira acusação, de abuso, 230 votaram a favor e 197 votaram contra. A segunda acusação, de obstrução, recebeu 229 votos a favor e 198 contra. As acusações estão relacionadas às denúncias de que Trump teria pressionado o governo da Ucrânia para que investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, seu potencial rival nas eleições de 2020.

A sessão de debates antes da votação foi aberta quando a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, fez o juramento aos EUA e um discurso pesado contra Trump.

— Ele não nos deu escolha. O que estamos discutindo aqui hoje é o fato estabelecido de que o presidente violou nossa Constituição. É fato que o presidente é uma ameaça à nossa segurança nacional e à integridade de nossas eleições, bases de nossa democracia — afirmou ao plenário.

— Se não agirmos agora, teremos abandonado nossos deveres. É uma tragédia que as ações inconsequentes de nosso presidente façam do impeachment uma necessidade.

Divisão no plenário

A presidente da Câmara chamou os congressistas de “guardiões da Constituição”.

— O grande me dodos fundadores [dos EUA] de presidentes desonestos ou corruptos é a principal razão pela qual eles colocaram o impeachment na Constituição.

Em suas primeiras palavras após a votação, o presidente Trump, que estava num comício no estado de Michigan, chamou todo o processo de “motim”, dizendo que os democratas estão “consumidos pelo ódio” eque o único objetivo dele se “anular sua vitória nas urnas”, referindo-se às eleições de 2016.

— Vocês declararam guerra aberta à democracia americana — disse ele, dirigindo se aos democratas.

Logo em seguida, a Casa Branca emitiu um comunicado dizendo que o presidente “está confiante de que o Senado vai restaurara ordem regular, ajustiça e ode vido processo legal”.

“Hoje marca o ápice na Câmara de um dos mais vergonhosos episódios políticos da História de nossa nação. Sem receber um único voto republicano, e sem fornecer qualquer prova de malfeito, os democratas aprovaram ilegitimamente acusações de impeachment contra o presidente por meio de deputados da Câmara”, disse a porta-voz Stephanie Grisham.

Durante o dia, a Casa Branca e aliados repetiram algumas vezes que o presidente não acompanharia os discursos nem a votação. No Twitter, Trump disse antes da votação em letras garrafais que o processo era “uma mentira atroz da esquerda radical” e um “ataque aos EUA e ao Partido Republicano”. Ele citou um comentário do promotor

Kenneth Starr, figura central no processo impeachment de Bill Clinton, onde ele diz serem necessárias “provas arrebatadoras”, que não existiriam neste caso.

A votação foi o clímax de semanas de audiências, análises de documentos e ofensas de Trump aos democratas, que têm maioria na Câmara e conduziram as investigações. Após relatório da Comissão de Inteligência, a Comissão de Justiça deliberou que Trump deveria ser acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso, neste último caso por ter se negado a fornecer documentos e instruído funcionários do governo a não depor. A aprovação dos artigos não significa um início automático do julgamento no Senado.

O primeiro passo é a entrega formal das acusações aprovadas para as lideranças da Casa. Depois, a Câmara deve escolher quem serão os seus deputados que atuarão como promotores. Não há previsão de quando isso será feito, mas acredita-se que seja ainda este ano.

No Senado, o plenário age como um júri, inclusive coma obrigação legal de imparcialidade, o que normalmente não é cumprido. Os representantes  da Câmara são a acusação, e o presidente terá o direito a defesa. As sessões são presididas pelo chefe da Suprema Corte, John Roberts, mas sua autoridade não é total e, se os senadores decidirem, por maioria simples, derrubar ou adotar alguma decisão, esta passará a valer. Os senadores também terão o poder de convocar testemunhas e aceitar ou derrubar provas.

Ao final do processo, que não tem duração definida, as acusações serão votadas. Caso uma delas receba 67 votos, ou dois terços do total de senadores, o presidente será afastado, algo que jamais ocorreu nos dois processos de impeachment anteriores.

Votação política

O Partido Republicano tem maioria no Senado, com 53 cadeiras, contra 47 da oposição (45 democratas e 2 independentes). Por esse cálculo, o presidente provavelmente estará a salvo. Em 1998, no processo de Bill Clinton, houve 10 dissidências entre os republicanos. Clinton acabou inocentado.

De acordo com a rede de TV CNN, o líder da maioria, Mitch McConnell, deve anunciar o cronograma até o final da semana — analistas apostam que nada acontecerá de concreto até a semana de 6 de janeiro, quando os congressistas retornam do recesso. Ele deve se reunir com o líder da minoria democrata, Chuck Schummer, para acertar esses detalhes.