Título: Combatendo o genocídio
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, Internacional, p. A9

Mesmo que milhares de pessoas estejam morrendo toda a semana em Darfur, as potências da África e do mundo permanecem fazendo nada para cessar este odioso caso de limpeza étnica, de árabes contra africanos. O ex-secretário de Estado Colin Powell chamou as atrocidades em Darfur de ¿genocídio¿. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, condenou os assassinatos e os estupros na região em termos semelhantes. O mundo lava as mãos, mas a matança continua. Teoricamente, violações da Convenção Contra o Genocídio deveriam impulsionar uma ação que impediria uma nova Ruanda ou um novo Holocausto. Este é o motivo pelo qual as Nações Unidas têm sido receosas em chamar a tragédia pelo nome. A União Africana é igualmente temerosa de usar a terrível denominação. Mesmo os Estados Unidos, que qualificaram a questão como ¿genocídio¿, têm feito pouco mais que isso.

Uma força africana mal monitora as hostilidades em Darfur. Apenas metade dos 3800 soldados prometidos foram enviados. De qualquer forma, os monitores não têm permissão para evitar o conflito, apenas reportá-lo.

Como resultado, os 20 mil Janjaweeds, apoiados pelo governo sudanês, têm toda a liberdade. Até pouco tempo, contavam com bombardeiros e helicópteros do Exército de Cartum.

O vergonhoso episódio de limpeza étnica poderia chegar a um fim se a União Africana, as Nações Unidas, a União Européia ou os Estados Unidos estivessem preparados para enviar pacificadores com um robusto mandato internacional que protegesse os africanos dos ataques dos Janjaweed. Mas, ao contrário do que ocorreu no Congo, onde os pacificadores da ONU podem finalmente agir em nome da paz e observar as violações, não há vontade política suficiente na África, na ONU ou no Ocidente para enviar tropas internacionais com autoridade para intervir de forma efetiva em Darfur.

A União Africana (UA) é relutante em interferir nos assuntos de um de seus membros, mesmo quando muitos líderes africanos já condenaram a limpeza étnica sudanesa. Um dia ¿ cada um dos membros se preocupa ¿ posso vir a ser alvo de sanções da UA. Então, por que arriscar condenando ou punindo o Sudão?

Nesse caso, o que pode ser feito? O governo em Cartum, que financia os Janjaweed, é dirigido por uma junta militar islâmica que depende dos lucros da exportação do petróleo, que sai do Porto do Sudão, no Mar Vermelho.

Proibir petroleiros de abastecer no porto seria algo simples. Uma simples fragata americana poderia forçar tal embargo, em especial com a aprovação da ONU. Um bloqueio deste tipo deixaria rapidamente o Sudão e a junta militar de joelhos. Desta forma, os dirigentes sudaneses sem dúvida pensariam duas vezes em mandar os Janjaweeds contra africanos nos vilarejos ou nos campos de refugiados.

Apenas os membros da junta militar e aqueles que estão empregados nos campos de petróleo ou nos oleodutos sofreriam as conseqüências do embargo, que não afetaria a população em geral. Se o bloqueio fosse seriamente implantado e tivesse o envolvimento de uma fragata americana, os dirigentes sudaneses cairiam em ruína e a situação em Darfur se modificaria dramaticamente.

Para os Estados Unidos, não haveria custos financeiros significativos. Pense no que se gasta todo o dia no Iraque. No entanto, haveria, sim, custos diplomáticos. A China é dona de boa parte do petróleo sudanês e não se preocupa com as violações de direitos humanos no país africano. Prefere manter estável o suprimento do combustível. Para obter um aval da ONU para um embargo contra o Sudão, os EUA teriam que encontrar uma maneira de desviar ou prevenir um veto chinês no Conselho de Segurança.

Podemos realmente permanecer inertes enquanto sudaneses árabes continuam a matar irmãos e irmãs africanas?

*Diretor de conflitos interestatais da Escola de Governo Kennedy, na Universidade Harvard