O Globo, n. 31526, 30/11/2019. País, p. 10
Bolsonaro defende boicote a anunciantes de jornal
Daniel Gullino
Suzana Correa
Após excluir o jornal “Folha de S.Paulo” de um edital para renovar as assinaturas de jornais e revistas da administração federal, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que não irá mais comprar produtos de empresas que anunciarem no veículo e recomendou que a população deixe de comprar os exemplares. As declarações foram criticadas por entidades de defesa da imprensa. —Eu não quero ler a “Folha” mais. E ponto final. E nenhum ministro meu. Recomendo a todos do Brasil que não comprem o jornal “Folha de S.Paulo”. Até eles aprenderem que tem uma passagem bíblica, a João 8:32. A imprensa tem a obrigação de publicar a verdade. Só isso. E os anunciantes que anunciam na “Folha” também. Qualquer anúncio que faz na “Folha” eu não compro aquele produto e ponto final —declarou Bolsonaro. Ontem, o subprocurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, apresentou uma representação na qual pede que seja adotada medida cautelar para que o governo seja proibido de excluir o jornal do processo de licitação. No documento encaminhado ao presidente do TCU, ministro José Mucio, Furtado pede ainda que “alternativamente, suspenda o certame, até que o TCU apure o mérito da questão”.
Divulgado na quinta-feira, o edital prevê gastos de R$ 194.393,64 para acesso digital de órgãos do governo a publicações como O GLOBO e “Estado de S.Paulo”. Segundo o subprocurador, a exclusão da “Folha de S. Paulo” desborda “dos estreitos limites da via discricionária do ato administrativo”, além de ofender os “princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia, motivação e moralidade”. Para Furtado, a retirada do jornal não teria sido motivada por “interesses legítimos”, mas em “atendimento a comando arbitrário do presidente da República, que estaria contrariado com o teor das notícias sobre o governo federal publicadas”. Segundo Furtado, se for confirmada “perseguição política”, estará caracterizado ato de improbidade administrativa. O vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Cid Benjamin, disse, em nota, que a declaração de Bolsonaro demonstra falta de compromisso com a democracia e a liberdade de expressão. A ABI e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) já haviam repudiado a decisão do presidente de não incluir o jornal na licitação do governo. “Depois de acenar com o corte da publicidade oficial em veículos que não rezem pela sua cartilha, agora (o presidente) fala em pressionar empresas privadas para que não anunciem em veículos cuja linha editorial não seja do seu gosto. Isso é coisa de aprendiz de ditador”, diz a ABI. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) declarou que Bolsonaro “age de modo semelhante ao de Cristina Kirchner na Argentina, a quem tanto critica, e que desfechou durante seu governo uma campanha de boicote e perseguição ao jornal ‘Clarín’”. “A Presidência da República de uma nação democrática não pode se mover por impulsos, preferências ou favoritismos, mas sim pela impessoalidade que se espera do cargo”, diz o texto. Advogada da “Folha de S.Paulo, Thais Gasparian classificou o episódio como “mais um capítulo na escalada contra a imprensa”.