Título: A Cuba de Bush
Autor: Emir Sader
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, Outras Opiniões, p. A13

Aqueles que preconizam a necessidade de uma ''transição à democracia'' em Cuba já podem ter uma fotografia do que seria esse país, segundo essa fórmula. O governo Bush, através do seu Departamento de Estado (leia-se: Condolência Rice), publicou um documento de mais de 400 páginas, produzido por uma chamada ''Comissão para apoiar uma Cuba livre''. O documento é um primor, vale a pena citá-lo, porque dá idéia de como o que se faz hoje na base naval de Guantánamo é o projeto estadunidense para a ilha. De imediato, se decide ''nomear um coordenador da Transição (sic, em maiúsculas) no Departamento de Estado'', o que ''indicaria à Comunidade Internacional o interesse dos EUA em impulsionar ativamente uma Cuba post-Castro. Se encarregaria também de levar a cabo as estratégias e programas indicados pela Comissão.'' Bastaria isso para caracterizar, de forma clara, a política intervencionista do governo estadunidense em Cuba, que deveria ser denunciada e condenada internacionalmente.

Nessa mesma linha propõe-se a ''criação de um fundo internacional que seja utilizado para atrair, capacitar e proporcionar recursos a pessoal voluntário de diferentes nacionalidades que viaje a Cuba para organizar a oposição''. Trata-se de legalizar o apoio de Washington aos grupos terroristas e à contratação de mercenários - de que os EUA são a principal sede de empresas que fazem esse serviço sujo, a começar pela famigerada Soldiers of Fortune -, para expandir sua ''guerra infinita'' em território cubano. Decide-se ''ordenar o envio imediato da plataforma aérea 'C 130 Comando Solo' e entregar fundos adicionais para comprar e reacondicionar uma plataforma aérea dedicada à transmissão para Cuba da Radio-RV Marti'' , para aumentar a propaganda dos grupos terroristas.

Confiante na sua capacidade de ação - a mesma confiança que os levou ao desastre da tentativa de invasão da Ilha dos Porcos, em 1961 -, o governo Bush se atreve, sem nenhum conhecimento das transformações que a revolução promoveu em Cuba, a propor medidas da transição no plano social. Entre elas, para evidenciar como desconhecem o sistema de saúde cubano, um dos mais avançados do mundo, que recebeu a visita dos dirigentes da AFL-CIO, a central sindical dos EUA, para saber como são os direitos universais à saúde, que são negados aos estadunidenses, prometem: ''imunizar imediatamente todas as crianças com menos de cinco anos que ainda estejam por ser vacinadas contra as principais doenças infantis no sistema atual de saúde''. Deveriam dedicar esses recursos aos milhões de crianças que, no território estadunidense, não têm acesso à vacinação, até porque todas as crianças cubanas estão suficientemente vacinadas e protegidas.

Dizem que vão tomar medidas ''para que as crianças e os adolescentes não estejam na rua envolvidos em delitos'', confundindo Miami, Washington e Chicago com Havana, Santiago de Cuba e Matanzas, que desconhecem absolutamente esse fenômeno típico do capitalismo em decomposição.

Com um projeto de privatização sonhada de Cuba, afirmam que não se poderá sustentar a política de seguridade social atual, que deverá submeter-se a um sistema que seja ''sustentável'', numa linguagem bem conhecida por nós, buscando para isso ''especialistas internacionais do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Fundo Monetário Internacional.'' Se criaria um ''Serviço Central de adoção de crianças'', para não mencionar seu verdadeiro nome - de comercialização de crianças pobres.

Como é de seu feitio, ''o governo dos EUA ajudará a estabelecer uma força policial civil realmente profissional'', necessidade premente diante da lista de direitos que pretenderiam expropriar do povo cubano. Claro que se revisariam ''as leis laborais'', se solucionaria ''o mais rapidamente possível'' o tema das propriedades, com sua ''devolução''. Isto seria feito pelo ''governo dos EUA, que organizaria uma ''Comissão para a restituição dos direitos de propriedade''. Os preços seriam ''liberalizados'', haveria um ''programa eficaz de privatização'', Cuba se reintegraria ao FMI, ao Banco Mundial e a OEA''. Se faria a ''privatização dos serviços públicos''.

Em suma, o projeto Bush-Condolência é o de fazer Cuba retroceder ao que teria sido o destino do país, sem a revolução, a um país como a Republica Dominicana ou o Haiti - para tomar exemplos do próprio Caribe. Apoiados nessa política de expropriação dos direitos, propõem em Genebra condenar Cuba por ''violações maciças e sistemáticas dos direitos humanos''. Falta proporem a Bush e a Condolência para o Prêmio Nobel da Paz.