Título: Entre a espera e o atendimento deficiente
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, Cidade, p. A16

Uma família inteira esperando na fila por atendimento. O pastor evangélico Sérgio Menezes chegou à emergência do Hospital Municipal Paulino Werneck às 15h de sexta-feira com o braço imobilizado por causa de uma tendinite, acompanhado da mulher e duas filhas, as três com uma forte gripe. Ele tenta há sete meses fazer um tratamento e esperava conseguir desta vez, pois acreditava que não negariam atendimento ao pai acompanhado da família. - Eles sempre dão uma injeção para dor e me mandam para o PAM da Cacuia. Mas lá a consulta só pode ser marcada para cinco meses. Espero conseguir fazer pelo menos uma radiografia hoje - reclamou o pastor.

No mesmo hospital, o pedreiro Cosme Domingos da Silva foi atendido na emergência depois de ter caído de uma laje, a três metros de altura. Como não existe centro cirúrgico na unidade, a única coisa que os médicos puderam fazer foi imobilizar o tornozelo de Cosme e encaminhá-lo para outro hospital. A preocupação do paciente era não encontrar atendimento nos outros hospitais e ficar com seqüelas por não realizar a cirurgia ortopédica a tempo.

- Se as obras do hospital já tivessem sido concluídas, o paciente não precisava passar por isso. Mas, pelo visto, muitos vão passar o mesmo drama de Cosme, ser atendido num local improvisado, sem chance de realizar uma cirurgia - lamentou o vereador Carlos Eduardo Mattos (PP), que vistoriava o hospital.

O coordenador do grupo de emergência e saúde pública do Cremerj, Aloisio Tibiriçá, mostrou-se preocupado com o hospital, que é a referência de atendimento para os 300 mil moradores da Ilha do Governador e para o Aeroporto Internacional.

- O Paulino Werneck no ano passado chegou a ser interditado pela Vigilância Sanitária. Os problemas encontrados pelas auditorias do Ministério da Saúde são comuns em toda a rede municipal. Desde janeiro do ano passado a prefeitura mudou a forma de pagamento e a verba passou a ser insuficiente para os diretores. Há falta de medicamentos, aparelhos e insumos - lembrou Aloisio.

O coordenador verificou que um dos elementos que agravam a crise da maior rede de emergência pública do país é a falta de comunicação entre os hospitais.

- Um paciente chega ao hospital de Irajá, antigo PAM, por exemplo, com politraumatismo e a rede não informa qual hospital ele deve procurar. Muitas vezes, o paciente fica esperando na fila por um atendimento que nem existe dentro do hospital.

Para o coordenador, o Salgado Filho é o que trata os pacientes de maneira mais chocante. O risco de infecção é grande, pois as pessoas ficam praticamente amontoadas. A emergência nova do hospital aguarda cerca de 250 especialistas para começar a funcionar.

- A prefeitura devia prever que a emergência ficaria pronta e que precisaria de gente. O Cremerj foi ao Salgado Filho no fim do ano passado. Era uma emergência provisória e por isso não foi fechada, já que as pessoas não teriam para onde ir - explicou.

Moradora de Niterói, a dona-de-casa Maria José da Silva percorreu dois hospitais públicos até conseguir internar sua sobrinha no Hospital Municipal Rocha Maia. Maria José passou pelo Azevedo Lima, hospital estadual localizado em Niterói e pelo Miguel Couto, que, mesmo sob intervenção federal, não pôde atender a paciente. O motorista de táxi foi quem sugeriu o Rocha Maia à dona de casa, quando Maria José pediu para ser levada ao Souza Aguiar.

- Ele (motorista) me disse que à tarde é mais fácil conseguir vaga, mas a gente não escolhe hora para ficar doente, né? - questionou Maria José.

O prefeito Cesar Maia respondeu às acusações contra a prefeitura explicando que as despesas nas unidades de saúde dobraram depois da municipalização dos hospitais federais, ao contrário da receita.

- O sistema de saúde funcionava exemplarmente até que jogaram em cima dele nove hospitais, sendo quatro de grande porte. Todos foram entregues desintegrados. O prefeito anterior não fez as contas, talvez por estar em fim de gestão. Em 2000 foram deixados R$ 70 milhões de reais de despesas sem orçamento e elas foram crescendo geometricamente. Por um lado, o Ministério da Saúde não cumpria os contratos e não pagava o pessoal alocado pela prefeitura. Por outro, não corrigia o custeio. A prefeitura começou a alertar desde 2001. A partir de 2003, iniciou gestões para devolver as unidades federais. E em junho de 2004 notificou extra-judicialmente ao Ministério da Saúde que em 31 de dezembro devolveria os hospitais. Dois meses depois, veio o decreto absorvendo quatro grandes hospitais federais e dois municipais para não pegar mal porque, de outra forma, a intervenção seria dentro dos próprios órgãos federais, pois os hospitais são seus.