Título: Além da intervenção
Autor: Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 20/03/2005, Cidade, p. A16

Amenizada pela intervenção federal em seis hospitais do Rio, a crise no sistema de saúde pública da Região Metropolitana parece longe do fim. Fora do ¿esquema de guerra¿ montado pelo ministério nas unidades municipalizadas e nos dois maiores hospitais do município, pontos essenciais de atendimento à população como os hospitais municipais Paulino Werneck, Salgado Filho, Rocha Maia e Lourenço Jorge continuam à míngua e, para eles, ainda não há sinal de recuperação. Maior unidade da Ilha do Governador e referência para uma região onde ocorrem acidentes de carro e os tiroteios são rotina, o Paulino Werneck não tem centro cirúrgico nem pode realizar internações. Já o Salgado Filho, no Méier, tem uma emergência em situações precárias funcionando ao lado de uma outra recém-construída ¿ porém sem equipes médicas. No Rocha Maia, em Botafogo, não há atendimento em pelo menos sete especialidades. Na Barra da Tijuca, o Lourenço Jorge atende cerca de 300 crianças por dia sem uma CTI na pediatria.

Na sexta-feira, o presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, vereador Jairzinho (PSC), enviou ao coordenador da intervenção federal, Sérgio Côrtes, um pedido para que o Lourenço Jorge e o Salgado Filho também sejam alvo da ação ministerial.

O Sindicato dos Médicos e o Conselho Regional de Medicina concordam com a iniciativa e estendem a possibilidade ao Paulino Werneck.

¿ O tratamento de choque deverá ser ampliado. A intervenção no Souza Aguiar e Miguel Couto abre possibilidade para a requisição de outras unidades. Nesse estágio da crise, tudo tem que ser feito para salvar o paciente ¿ defendeu Jorge Darze, presidente do sindicato.

O vereador Carlos Eduardo Mattos (PP), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores, visitou os quatro hospitais durante a última semana e concluiu que a situação é de falência.

¿ Não interessa discutir de quem é a culpa da situação dos hospitais municipalizados. Analisando estes quatro, chegamos à conclusão de que a prefeitura não tem competência para gerir os próprios hospitais ¿ acusou o parlamentar.

O coordenador do grupo de emergência e saúde pública do Cremerj e membro do Conselho Federal de Medicina, Aloisio Tibiriçá, recebeu denúncias de falta de verbas dos diretores do Salgado Filho, Lourenço Jorge e Rocha Maia.

¿ Em janeiro, o Cremerj verificou que dos 50 contratos de manutenção dos hospitais, 37 estavam vencidos. E esses contratos cuidam desde a manutenção de elevadores até de raio-X e tomógrafos ¿ informou Aloisio.

O Hospital Paulino Werneck, para onde devem ser encaminhados até os pacientes vindos de emergências no Aeroporto Internacional Tom Jobim, não pode receber os acidentados da Linha Vermelha nem os feridos em confrontos das 23 favelas do bairro. São 12 mil atendimentos por mês, mas nenhuma cirurgia ou internação podem ser feitas. Enquanto isso, as obras da nova unidade se arrastam desde setembro de 2004.

O Salgado Filho, principal pronto-socorro da Zona Norte, atende a quase 14 mil pessoas por mês, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Na inspeção, realizada na última quinta-feira, foram encontradas macas sem colchão, corredores servindo de salas, respiradores com defeito, infiltrações nas paredes e homens e mulheres internados juntos. Ao lado, uma emergência pronta desde dezembro, com equipamentos ainda encaixotados, aguardando realocação de médicos e enfermeiros para começar a funcionar. Nela, o circuito interno de TV, o ar condicionado, os 17 novos leitos e 11 cadeiras de rodas estão prontos.

O Hospital Municipal Rocha Maia, que era federal e foi municipalizado, está funcionando sem raios-x, e não tem médicos para ortopedia, ginecologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, dermatologia e urologia nem realiza cirurgias vasculares. De acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, uma das unidades de saúde mais antigas da cidade enfrenta grave desabastecimento.

¿ Faltam medicamentos e a emergência está completamente debilitada ¿ avalia Darze.

Na Barra da Tijuca, o Lourenço Jorge é o que conta com a maior capacidade de atendimento dos quatro: são 23 mil pessoas por mês. O hospital recebe a maioria das vítimas de acidentes na Avenida das Américas.

Na última segunda-feira, a inspeção realizada mostrou que faltam médicos em quase todas as especialidades. Não existe um Centro de Tratamento Intensivo (CTI) nem uma Unidade Intermediária (UI) para as cerca de 300 crianças atendidas diariamente na pediatria. Na ala masculina, onde deveriam ficar oito pacientes, a comissão encontrou 21. Os médicos reclamaram da falta de respiradores, monitores, desfibriladores e luvas, além de medicamentos como antibióticos e remédios para hipertensão.

A Comissão de Saúde vai enviar um ofício à Secretaria Municipal de Saúde, ao Ministério Público e à 1ª Vara de Infância e Juventude com as denúncias. A Secretaria Municipal de Saúde informou que só vai se pronunciar sobre a possibilidade de intervenção nas outras unidades depois que receber um comunicado oficial.