O Estado de S. Paulo, n. 46909, 24/03/2020. Política, p. A14

Alckmin se filia ao PSB e minimiza histórico de diferenças com Lula

Iander Porcella
Vera Rosa


 

Ao se filiar ontem ao PSB, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin usou o que chamou de "momento excepcional" vivido pelo País, com risco à democracia, para justificar a aliança com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições. Antigo adversário do PT, Alckmin vestiu o figurino de candidato a vice na chapa que disputará o Palácio do Planalto, disse que não faz política olhando pelo retrovisor e definiu Lula como o nome que melhor representa a "esperança do povo brasileiro".

O lançamento da chapa Lula-alckmin deve ocorrer na segunda quinzena de abril. No passado, os dois políticos já protagonizaram embates e ofensas públicos. O petista chegou a ganhar direito de resposta na Justiça Eleitoral após Alckmin compará-lo a um "ladrão de carro" e dizer que no governo federal havia uma "sofisticada organização criminosa". O ex-governador afirmou, ainda, que Lula sabia dos casos de corrupção na Esplanada. Os dois disputaram o segundo turno da eleição presidencial, em 2006. Na época, Lula repetiu que seu oponente era "especialista" na destruição do Estado.

"Alguns podem estranhar. Eu disputei com o presidente Lula uma eleição em 2006, fomos para o segundo turno, mas nunca colocamos em risco a questão democrática. O debate era de outro nível, nunca se questionou a democracia", disse Alckmin na cerimônia de filiação, em Brasília. Ao defender o apoio do PSB à candidatura de Lula, o ex-governador afirmou que o petista vai reinserir o País no cenário mundial e se disse disposto a "somar".

Sob o argumento de que Lula significa "esperança", Alckmin foi além. "Temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender que ele (Lula) é hoje o que melhor interpreta o sentimento de esperança do povo. Ele representa a própria democracia porque é fruto da democracia", emendou.

Foi nesse momento que o ex-governador também teceu críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), pré-candidato à reeleição, embora sem citá-lo nominalmente. "Aqueles que ameaçam o Parlamento estão ameaçando a democracia; os que agridem o Supremo Tribunal Federal estão agredindo a democracia", disse.

Mote. O discurso de Alckmin deu o mote da campanha: a união entre diferentes em defesa da democracia. "Padre Lebret dizia que nós devemos ser na política um 'zé ninguém' a serviço de uma grande causa", resumiu o ex-governador.

Muitos falaram ali no clima de "Diretas Já", movimento de apelo popular que marcou o País, entre 1983 e 1984, perto do fim da ditadura. O próprio Lula tem dito que, se for eleito, precisará de "um mutirão" para governar o País.

A cerimônia reuniu a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, líderes do partido na Câmara e no Senado, dirigentes e governadores do PSB, como Paulo Câmara (PE), Flávio Dino (MA), Renato Casagrande (ES) e João Azevêdo (PB).

O PSB não vai compor uma federação com o PT por causa de divergências para a formação de palanques estaduais, como em São Paulo, onde cada um tem candidato próprio. Mesmo assim, os dois partidos decidiram se unir numa aliança nacional para enfrentar Bolsonaro, chamado pelo presidente do PSB, Carlos Siqueira, de "figura nefasta" e "anomalia política".

Divergências e visões opostas sobre privatização de estatais, reforma trabalhista e parlamentarismo, por exemplo, foram deixadas de lado. Questionado sobre o histórico de acusações a Lula, o ex-governador minimizou o confronto. "Em eleição, é evidente que tem embate político", disse.

Gleisi, por sua vez, considerou "naturais" as críticas da "esquerda petista" a Alckmin. "Fomos oposição por muitos anos, tivemos muitas disputas. Na época da aliança com o José Alencar (empresário que foi vice de Lula), o debate foi muito maior", lembrou.

A estratégia para unir Lula a Alckmin nessa campanha foi articulada pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e pelo exgovernador Márcio França (PSB), ambos pré-candidatos ao Palácio dos Bandeirantes.

PSDB. Alckmin anunciou a saída do PSDB em dezembro, após 33 anos de filiação. Estava insatisfeito no partido desde as eleições de 2018, quando não conseguiu nem 5% dos votos na disputa presidencial, e se sentia traído por João Doria, hoje governador de São Paulo e précandidato ao Planalto pelo PSDB. Doria se elegeu naquele ano ao Bandeirantes colando sua imagem à de Bolsonaro, embora Alckmin tenha sido seu padrinho político.

A filiação do ex-governador ao PSB, primeiro passo para formalizar sua entrada como vice na chapa petista, foi bastante comentada por candidatos da terceira via, hoje em dificuldades nas pesquisas de intenção de voto. "Eu manifesto, mais uma vez, o meu respeito pela trajetória de Geraldo Alckmin e por sua biografia, mas em relação a Lula e ao petismo eu quero distância. Total distância. Quanto mais distante, melhor", afirmou Doria.

Quando perguntado se estava arrependido por ter "escanteado" Alckmin, o governador reagiu, sem esconder a contrariedade. "Quem deve ter arrependimento é o Geraldo Alckmin, porque, depois de 33 anos de PSDB, quem abandonou o PSDB foi ele", respondeu.

O pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, classificou a aproximação entre Lula e Alckmin como um "conchavo vergonhoso" para as eleições. "Não foi o Alckmin que mudou. Quem mudou foi a vocação para o conchavo, que o Lula repete", disse.

Diferentes

No discurso, Alckmin citou o que pode ser o mote da campanha: a união entre diferentes