O Globo, n. 31525, 29/11/2019. Opinião, p. 2

Goleada
Merval Pereira


Foi uma derrota do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Subsidiariamente, foram derrotados os que pretendiam limitar a atuação dos órgãos de fiscalização no combate à corrupção.

A maioria de oito votos em onze definiu que não há limitações à atuação da Receita Federal e da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), podendo transmitir informações ao Ministério Público e à polícia mesmo sem autorização judicial.

O presidente do STF, que já havia votado contra sua própria liminar anterior liberando a atuação da UIF, viu também diversos ministros criticarem sua decisão de juntar a um processo contra a Receita a atuação da UIF, pedida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro.

No final do julgamento, ontem, os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello pediram que ficasse registrada a discordância deles sobre essa junção indevida. O ministro Marco Aurélio Mello nem sequer analisou em seu voto a atuação da UIF, pois considerou que ela não fazia parte do processo em julgamento.

Ele reclamou da paralisação de “um sem-número de procedimentos criminais, prejudicando-se a jurisdição na área sensível, na área da persecução penal, na área criminal”, referindo-se à liminar de Toffoli que suspende mais de 900 investigações abertas com base em dados do órgão. “A legitimidade das decisões do Supremo é hoje muito questionada”, ressaltou Marco Aurélio.

Outros ministros, como Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, registraram em seus votos a inadequação de tratar-se da atuação da UIF em processo que dizia respeito à Receita Federal, mas mesmo assim votaram. Apenas o ministro Gilmar Mendes, embora discordando do voto de Toffoli, entendeu que juntar a UIF no processo fazia sentido, pois se tratava de julgar o compartilhamento de dados.

Nenhum ministro tratou diretamente do caso do senador Flávio Bolsonaro, mas todos os que criticaram a inclusão da atuação da UIF estavam, indiretamente, condenando a liminar de Toffoli. O caso específico de Flávio Bolsonaro foi tratado por Gilmar Mendes, que se baseou na decisão de Toffoli.

Embora a maioria esteja clara pela liberação do compartilhamento sem autorização judicial, o presidente do STF disse que na próxima semana a tese vencedora será debatida em detalhes, para definir os parâmetros para o compartilhamento dos dados.

As dúvidas são mais de Toffoli e dos votos vencidos do que da maioria. O presidente do STF acha que a Receita não pode entregar documentos integrais, como a declaração do Imposto de Renda, ao Ministério Público, ao contrário dos demais.

Também existe dúvida se é permitido ao Ministério Público pedir informações aos órgãos de fiscalização diretamente. O ministro Toffoli acha que só se essas informações já estiverem no banco de dados desses órgãos elas poderão ser requisitadas. A maioria acha que a troca de informações não deve ser submetida a restrições.

O fato é que perdemos quatro meses para voltarmos exatamente ao ponto em que estávamos, com os órgãos de informação trabalhando com base nas orientações internacionais, nas boas práticas para o combate à corrupção e lavagem de dinheiro.

O mais grave é verificar que todos os processos foram suspensos, inutilmente, devido a um artifício jurídico da defesa de Flávio Bolsonaro acatado por Toffoli, para voltar atrás por pressão da opinião pública e da maioria de seus pares no Supremo Tribunal Federal.

Louve-se, no entanto, a postura do presidente do STF que, ao verificar que fora vencido largamente, aderiu à maioria. No caso concreto, votou pela legalidade da investigação do caso do interior de São Paulo que serviu de pretexto para a liminar que dera em julho.

Mudou também seu voto, passando a admitir o compartilhamento de informações detalhadas pela Receita em qualquer caso, mesmo sem autorização judicial, definindo o placar final em 9 a 2, que exprime sem sombra de dúvidas a qualidade teratológica, como se diz nos meios jurídicos, de sua liminar.