O Globo, n. 31525, 29/11/2019. Economia, p. 29

Cheque especial: Teto para juros pode reduzir oferta
Karen Garcia
Manoel Ventura
Renata Vieira


A decisão de limitar os juros do cheque especial a 8% ao mês — hoje estão em torno de 12% —, anunciada na quarta-feira pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), foi criticada ontem pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que falou em “tabelamento de preços”, e, segundo especialistas, pode prejudicar a oferta de crédito pelos bancos e ter um efeito contrário ao desejado pelo Banco Central (BC).

Em nota, a Febraban afirmou que “considera positivas iniciativas para buscar maior eficiência e permitir a redução dos subsídios cruzados no sistema de crédito. Preocupa, entretanto, a adoção de limites oficiais e tabelamentos de preços de qualquer espécie. Medidas para eliminar custos e burocracia e estimular a concorrência são sempre mais adequadas aos interesses do mercado e dos consumidores.”

O BC, por sua vez, argumenta que a medida deve fazer a taxa do cheque especial cair à metade, dos atuais 306% ao ano para cerca de 150%. A medida do CMN permite que os bancos cobrem uma tarifa de até 0,25% para quem tiver limite de cheque especial acima de R$ 500 — até esse valor, não haverá cobrança.

Para o economista especializado no setor bancário João Augusto Salles, uma resposta imediata pode ser a redução da oferta de crédito:

— Tabelar juros nunca é bom para a economia. Mexe se com o mercado e começam as arbitrariedades, criando uma distorção que não é boa para a competição. Com isso, pode ser que os bancos não disponibilizem esse cheque especial para o cliente com tanta facilidade.

Outra possibilidade apontada é que os bancos tentem compensar em outras tarifas:

— A repercussão mais imediata pode ser a elevação de taxas de outros tipos de empréstimos para compensar esse teto do cheque especial —disse o economista-chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal.

Salles ainda considera que a medida se choca um pouco com a proposta do governo:

— É um gesto político. É um governo liberal que está protecionista. O que é uma incongruência. A política metendo o nariz na parte econômica.

O diretor de Regulação do BC, Otavio Damaso, defendeu ontem a medida, afirmando que ela busca “corrigir uma falha de mercado”. Ele lembrou que o CMN é presidido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, sendo composto ainda pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.

— A norma foi aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, e vocês sabem qual é a composição dele — disse Damaso.

— A gente estabeleceu uma taxa de juros máxima. As instituições financeiras são livres para definir qual é a taxa de juros que vão cobrar do cliente, desde que respeitem essa regra.

Mas Carlos Thadeu de Freitas, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), acredita que os bancos adotarão o teto de 8%:

— Os bancos vão usar o teto. Quando o consumidor precisa, ele paga qualquer preço para ter o dinheiro. Só faz sentido fazer empréstimo com garantias que compensem o risco, e essa taxa elevada cumpre esse papel. Talvez os bancos reduzam a oferta e dificultem o acesso a essa linha de crédito.

Há ainda a avaliação de que a medida pode afetar a competitividade dos bancos, além de afetar suas receitas. Salles projetava aumento de 15% no ano que vem, mas, depois da medida dos juros, reduziu a estimativa para 13%. As ações dos bancos fecharam em queda ontem na Bolsa.

— Com tamanha regulação é mais difícil que haja competitividade — afirmou o economista da Rio Bravo Investimentos, Luis Bento.

RESISTÊNCIA INTERNA

Antes de adotara medida, o governo precisou vencer resistências dentro da própria equipe econômica. Técnicos do Ministério da Economia se manifestaram internamente contra o tabelamento, visto como radica lede eficácia discutível. Até a véspera da reunião do CM N, havia dúvidas no governo se o BC conseguiria emplacara medida. Até que Guedes deu o aval para a resolução.

Para se blindar de críticas contra interferência do Estado na economia, o governo preparou o discurso de que uma equipe liberal pode adotar medidas intervencionistas como essas e perceber que o mercado não está competitivo. Houve ainda a avaliação de que a autorregulação não conseguiu reduzir as taxas.

Perguntado sobre a medida, o presidente Jair Bolsonaro mencionou críticas antigas sobre as taxas bancárias:

— Qualquer medida que ajude apo pulação é bem-vinda.No cheque especial,é uma crítica há muito tempo que as taxas são abusivas.

Saiba mais sobre as mudanças

> Qual será a tarifa cobrada pelo limite do cheque especial?

A decisão caberá a cada banco, no máximo de 0,25% ao mês pelo limite do cheque especial que exceda R$ 500. Caso o cheque especial seja usado, a tarifa será descontada dos juros de 8%.

> Todo mundo vai pagar pelo cheque especial?

Quem tiver limite de até R$ 500 ficará isento.

> Quando isso entra em vigor?

O juro de 8% passa a valer em 6 de janeiro de 2020, para novos e velhos contratos. A tarifa de até 0,25% entra em vigor na mesma data para contratos novos; no caso dos antigos, só em 1º de junho de 2020. Mas, atenção: se o contrato for repactuado, ou seja, se o banco aumentar o seu limite em janeiro, poderá fazer a cobrança.

> Não pedi um limite maior. O que fazer?

O limite não pode ser aumentado sem consentimento do cliente. Se isso acontecer, reclame com o banco. Se não resolver, procure o BC.

> Serei cobrado sem saber?

O banco tem de avisar o cliente com 30 dias de antecedência.

> Como reduzir meu limite para R$ 500?

Procure o banco. Este é obrigado a fazer a mudança para o valor desejado pelo cliente.