O Globo, n. 31544, 18/12/2019. País, p. 10

Década de rupturas: Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central

Entrevista: Ilan Goldfajn


Presidente do Banco Central no período em que o Brasil iniciou uma queda constante nas taxas de juros, o economista Ilan Goldfajn, de 53 anos, acredita que o país se encaminha para um ciclo de crescimento entre 2% e 2,5%. “O Brasil é um transatlântico que, se continuar na direção correta, vai chegar em bom porto. Mas não será rápido”, disse.

Esses dez anos foram uma década perdida, como os anos 1980?

Não, nós evoluímos. Voltamos a ter uma inflação civilizada e, finalmente, nos transformamos em um país normal em taxa de juros. Também percebemos a necessidade de um ajuste de despesa ao longo prazo, avançamos na reforma da Previdência.

A recessão de 2014/15/16 era inevitável?

A desaceleração já estava contratada porque a China passou a crescer menos. Foi mundial. O que não estava na conta era uma queda tão grande no PIB.

Por que o Brasil sofreu mais?

Além da desaceleração global, temos dois motivos. O primeiro foi apolítica econômica de excessos( no governo Dilma). Acreditou-se que o boom das commodities veio para ficar e isso levou a achar que as receitas eram muito superiores ao real. Veja ocaso do Estado do Rio, que passou a contratar servidores como se o petróleo fosse permanecer com o barril acima de U$ 100 para sempre.

Tivemos problemas com o controle de preços da Petrobras, uso de bancos públicos nas políticas de estíOnde mulos. Outro fator que multiplicou o impacto foi o combate à corrupção, que é uma coisa boa, mas que, no curto prazo, acabou paralisando setores relevantes. O setor de construção civil caiu 80%.

Por que a recuperação econômica é tão lenta?

O crescimento vai voltar devagar. A guinada (com a política econômica a partir do governo Temer) não necessariamente significa resolver todos os problemas, mas, ao invés do desemprego aumentar, começa a diminuir; em vez de as reformas serem a favor de mais gastos públicos, são de menos gastos; as projeções das dívidas públicas que estavam subindo começam a melhorar. O Brasil é um transatlântico, navega devagar, muda de rota devagar. Se o transatlântico continuar na direção correta, vai chegar em bom porto. Mas não será rápido.

Quando o senhor tomou posse no Banco Central, a inflação estava perto dos 10%. Qual era a prioridade?

Nas minhas primeiras semanas no cargo, houve um pedido para mudar a meta da inflação porque havia a noção que o Banco Central com a inflação de dois dígitos não conseguiria entregar a meta de 6,5%. Aí estava armadilha. Se mudássemos a meta naquele momento, a credibilidade sairia arranhada. Eu fui na minha primeira entrevista e falei “Vamos manter a meta. Ela é desafiadora, mas é factível”.

E era factível?

Achava que era melhor tentar, não cumprir e explicar, do que iniciar a gestão com perda de credibilidade.

Em um ano, surgiu o escândalo da JBS que quase afastou o presidente Temer. Como o mercado reagiu?

Tivemos que atuar vendendo dólar, intervindo no mercado de títulos, garantindo que haveria liquidez. Só haveria um risco de fuga de capitais se o mercado percebesse que poderia haver uma guinada na equipe econômica. Aí, o mercado não ia voltar rápido. Nosso trabalho foi de assegurar que não haveria guinada e depois ver o que iria acontecer em termos da política. Naquele momento, ninguém sabia.

Em que momento que vocês perceberam que a queda dos juros era irreversível?

Na metade de 2017 estava claro que havíamos quebrado a espinha da inflação. Agora, até onde a taxa Selic pode cair, é um mundo novo. Os juros baixos vieram para ficar e mudar a economia.

Por que essa queda demora tanto a chegar ao consumidor?

Vou dividir a resposta em dois. As taxas de hipoteca estão entre 6% e 7% para dez anos, as taxas de crédito consignado, de financiamento agrícola, de financiamento de veículos, todas caíram. a queda dos juros não chegou? Onde não há garantias: empréstimos pessoais, crédito para pequenas e médias empresas que têm mais dificuldades. A queda dos juros é um processo.

Por décadas, se ouviu políticos dizerem que bastava um choque de juros para fazer o Brasil crescer. É mais complicado?

A redução dos juros tem um efeito estimulativo, tira um pouco do custo do capital, mas o impacto é no curto prazo. No médio prazo, temos de pensar como financiar a infraestrutura e dar a segurança jurídica para investimentos. No longo prazo, educação básica.

Em um país com 12% de desemprego, não é natural que a sociedade esteja impaciente pelo crescimento?

É natural. Vamos tentar fazer as coisas pelo lado certo? Se você está no setor privado, é hora de investir. Se está no governo, vamos tentar gerar esses consensos um pouco mais rápido, em vez de o tempo todo estar em conflitos. As condições da queda dos juros estão dadas. No curto prazo, podemos chegar a um PIB de 2% a 2,5% ano. Agora, em cinco, seis, dez anos, estaremos em outro padrão porque não é só a reforma da Previdência, o novo nível de juros, a reforma tributária. É o acúmulo de mudanças que vai nos levar para outro patamar.

E o risco político?

O conflito na política atrasa os consensos e, portanto, atrasa as reformas e afetam o crescimento lá na frente.

Ilan e a economia na década

2016 Crise

Assume o Banco Central em um cenário de taxa básica de juros de 14,25% e inflação de 9,2% em 12 meses, ante uma meta máxima de 6,5%. O IPCA fecha o ano em 6,29%.

2017 Controle

Em janeiro o BC inicia cortes gradativos da Selic. Em um ano, a taxa cai de 13,75% para 7,5%. A inflação termina o ano em 2,95%, o mais baixo índice em 20 anos.

Política

Opera para evitar que o mercado entre em pânico e haja grande fuga de capitais com o escândalo da JBS envolvendo o presidente Temer.

2018 Caminhos

A greve dos caminhoneiros gera inflação acima de 1% em junho, mas no fim do ano o índice fica em 3,75%. O BC mantém a política de cortes e a Selic cai a 6,5%.

Recebe o prêmio “Faz Diferença”, do GLOBO, pela sua atuação no BC. É sucedido por Roberto Campos Neto no banco, e assume o Conselho de Administração do Credit Suisse no Brasil.