O Globo, n. 31525, 29/11/2019. Segundo Caderno, p. 3

Entidades vão à PGR contra presidente da Palmares
Daniel Gullino
Jussara Soares


Um conjunto de mais de dez entidades que defendem o movimento negro enviou ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, pedido para anular a nomeação do novo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo. O apelo foi feito após O GLOBO revelar as posições de Camargo sobre questões raciais. Ele já afirmou que no Brasil não existe “racismo real ”, que a escravidão foi “benéfica par aos descendentes” e que o movimento negro precisa ser “extinto ”.

No pedido, entidades como Educafro e União de Negros pela Igualdade (Unegro) dizem que há “evidente a incompatibilidade” entre os valores de Sérgio e o objetivo da Fundação Palmares, que é promover a cultura afro brasileira.

“Trata-se de verdadeira operação de sabotagem dos poucos avanços que a população negra conquistou em nosso país, sobretudo nos últimos anos, resultado do acúmulo da luta de diversas gerações, situação absolutamente incompatível com a Constituição Cidadã ”, diz trecho do documento.

O PSOL também entrou com um requerimento na PGR pedindo que a nomeação seja anulada. No documento, o partido afirma que a escolha “violou todo o arcabouço constitucional que obriga o Estado a enfrentar o racismo institucional e estrutural e a promover políticas de promoção da igualdade racial”. O texto diz que as declarações de Camargo provam que “o indicado para o órgão responsável por concretizar esses deveres contesta a escravidão a existência do racismo entre nós”.

— A PGR vai ter que se posicionar, pois é dever do poder público garantir o papel da Palmares no combate ao racismo — afirmou a deputada Talíria Petrone, uma das dez integrantes do partido que assinam o requerimento. — Um presidente que rejeita até Zumbi, personagem que dá nome à Fundação, não pode ser gestor de uma insituição que tem como papel promover a cultura negra.

A escolha de Camargo foi anunciada anteontem no Diário Oficial e faz parte de uma série de nomeações para postos-chave da Cultura que vem sendo promovida a pedido do secretário especial da Cultura, Roberto Alvim. A maioria tem perfil conservador e cristão.

Ontem, foi confirmado o nome do novo presidente da Biblioteca Nacional. Seguidor de Olavo de Carvalho, Rafael Alves da Silva, que se apresenta como Rafael Nogueira, irá substituir Helena Severo na presidência da fundação. A previsão é que a troca seja oficializada nos próximos dias. Outras alterações devem ser anunciadas nos próximos dias na Fundação Nacional de Artes (Funarte) e no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Nas redes sociais, Nogueira se apresenta como professor de filosofia, história, teoria política e literatura, além de “aspirante a filósofo e a polímata”. No último domingo, ele visitou a Biblioteca Nacional de Lisboa e fez elogios ao local, mas observou que prefere o prédio da Biblioteca Nacional no Rio. “A Biblioteca Nacional de Lisboa é um fenômeno em qualidade de arquivo, organização, ambiente e segurança de prédio, funcionários, acervo e usuários. Gosto mais do prédio da Biblioteca lá do Rio, e tenho mais interesse em seu acervo, mas temos muito a aprender com Portugal”, disse.

No dia seguinte, Nogueira participou de uma palestra, ainda em Lisboa, sobre o ideólogo de direita Olavo de Carvalho. Em outubro, já havia palestrado na Cúpula Conservadora das Américas (CPAC), versão brasileira de um dos maiores eventos conservadores do mundo, liderada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Servidora de carreira da Fundação Biblioteca Nacional, Helena Severo se tornou presidente da Biblioteca em 2016, quando o atual deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ) era ministro da Cultura do governo Michel Temer. Em fevereiro deste ano, a permanência dela no cargo foi confirmada pelo governo. Helena também foi secretária de Cultura do município e do estado do Rio de Janeiro e presidente da Fundação Theatro Municipal. Antes de assumir a presidência da Biblioteca Nacional, ela passou 12 anos cedida ao Tribunal de Contas do Município (TCM).

Para a Funarte, que está com a presidência vaga desde que o próprio Alvim deixou o cargo para assumir a Secretaria, o nome escolhido é o do maestro Dante Mantovani. No Iphan, Kátia Bogéa deverá ser substituída pelo arquiteto Olav Schrader, presidente da Associação de Moradores de São Cristóvão.

Mantovani aparece em fotos nas redes sociais com Rafael Nogueira durante o 3º Simpósio Nacional Conservador de Ribeirão Preto, realizado em outubro, e é igualmente fã de Olavo de Carvalho. Ele também faz parte da organização da CPAC — assim como Katiane de Fátima Gouvêa, nomeada na quartafeira secretária do Audiovisual. Ainda é próximo de Camilo Calandreli, novo secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, a quem já se referiu como “amigo-irmão”.

Ele se mostrou alinhado com seu futuro chefe, ao compartilhar, no último domingo, uma notícia sobre uma discussão da qual o secretário participou. “Este é o tom com o qual se deve falar com esquerdistas e comuno-globalistas; aprendam a lição com o mestre Roberto Alvim!”, escreveu.

Mantovani já se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro, a quem presenteou com um exemplar do seu livro “Ensaios sobre a música universal – Do Canto Gregoriano a Beethoven”. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi outro a receber um exemplar da obra, após uma reunião com membros da CPAC no ministério.

O indicado para assumira presidência da Funarte tem um histórico de críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF): nos últimos meses, defendeu o fechamento da Corte em ao menos duas oportunidades. Em agosto, afirmou que o se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse solto (o que acabou ocorrendo), era preciso “juntar pelo menos 1 milhão de pessoas, ir para Brasília e fechar o STF na marra”.