O Globo, n. 31544, 18/12/2019. País, p. 6
Fé no Aliança
Gustavo Schmitt
Com pouco menos de quatro meses para ser criado a tempo das eleições municipais de 2020, o Aliança pelo Brasil, futuro partido do presidente Jair Bolsonaro, encontrou forte apoio de lideranças evangélicas na tarefa de coletar as 491 mil assinaturas exigidas para lançar a legenda.
Do presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), bispo Robson Rodovalho, ao presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), religiosos de distintas denominações vão apoiar o processo de formalização da nova sigla.
Ao GLOBO, Rodovalho disse que o presidente Bolsonaro “merece essa ajuda”. Líder da Sara Nossa Terra, denominação com 2 milhões de fiéis em 1,2 mil templos no país, o bispo informou já ter sido procurado por um mensageiro do partido, e que uma das estratégias será atrair apoio durante os grandes eventos da igreja.
No carnaval
Na Sara Nossa Terra, as maiores aglomerações de fiéis acontecem em janeiro e fevereiro, incluindo o chamado “carnaval evangélico”, evento com shows de música gospel que reúne milhares de participantes.
— Vou ajudar. Estou à disposição. A visão que o presidente (Bolsonaro) tem pelo Brasil merece esse gesto de apoiamento — afirmou Rodovalho, que recebeu O GLOBO em sua igreja em São Paulo, na última segunda-feira.
O Aliança pelo Brasil anunciou, no último domingo no Twitter, que começará nesta semana a coleta de assinaturas para sua fundação. O desafio é justamente o prazo curto no calendário: a sigla precisa de todas as assinaturas até 4 de abril do ano que vem para ter o registro homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e assim lançar candidatos aos cargos de prefeito e vereador.
Ex-deputado e com experiência de coleta de assinaturas para criação de partidos como PL e PRB, Rodovalho disse que considera melhor atuar em grandes eventos. Nos cultos, o público é menor, avalia. No entanto, o bispo destaca que as assinaturas não seriam coletadas dentro da igreja ou dos eventos, mas que não teria problema se fosse na porta.
— Nas igrejas, os cultos são rápidos e o ajuntamento de pessoas não é tão numeroso, com exceção de templos muito grandes. Mas, como precisa de muitas assinaturas para validar, penso que os eventos, que duram alguns dias, seriam mais proveitosos — explicou.
Outras conversas
Rodovalho disse que conversou com outras lideranças que também se colocaram à disposição para ajudar:
— Conversei com alguns líderes que se disponibilizaram. Não são muitos, mas não encontrei ninguém reticente. Eu acredito que a Assembleia de Deus, do pastor Silas Câmara (deputado federal do Amazonas pelo Republicanos), também faria com bom coração.
Silas Câmara diz que, se convocado para ajudar na criação do Aliança, vai trabalhar a favor da coleta. Irmão do pastor Samuel Câmara, que dirige a igreja Assembleia de Deus de Belém, Silas afirmou que não vê problemas em auxiliar na coleta de assinaturas, eque vê boa vontade das lideranças de diferentes igrejas em ajudar o presidente.
— Não vejo nenhum problema.Eu ajudarei, se for convocado. Se precisar, eu ajudo com alegria — disse Silas Câmara, ressaltando que apoiará “como deputado federal”.
Samuel Câmara, por sua vez, também se disse disposto a ajudar Bolsonaro na criação do partido, mas deixou claro que os evangélicos “jamais perfilarão em um só partido”. Com tom menos efusivo, Samuel diz que qualquer gesto não significará apoio incondicional ao governo ou ao presidente.
— A igreja é também um grupo social que tem vontade política. E, no quebra-cabeça de hoje, as pessoas que gostam do Bolsonaro vão acompanhar isso. E elas estão dentro da nossa igreja. Então, não criaríamos dificuldade. Mas não faria disso uma bandeira (política).
A prática de coleta de assinaturas para a criação de partido eleitoral nas proximidades de templos e eventos religiosos não é proibida, mas passível de questionamentos caso a estrutura e funcionários da igreja sejam utilizados, segundo especialistas. Nessa hipótese, o ato poderia ser enquadrado como doação de entidade ou pessoa jurídica. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a possibilidade de doações de empresas a partidos ou candidatos.
O presidente da Comissão de direito eleitoral da OAB de São Paulo, Hélio Freitas de Carvalho Silveira, observa que é livre a participação política no país, mas alerta que é preciso cuidado para que as manifestações dos líderes religiosos favoráveis ao partido do presidente não se convertam em apoio institucional da igreja, o que poderia ser interpretado como doação.
— Recomendo cautela. Não vejo restrição para a liderança religiosa manifestar apoio à criação de uma iniciativa política, mas uma coisa é o líder religioso na pessoa física demonstrar apoiamento, outra coisa é o uso da instituição, o que é vedado pela lei — avalia.
Mestre em Direito Constitucional pela PUC e pós graduado em direito eleitoral, Tony Chalita afirma que a prática de coleta de assinatura nas proximidades de templos é algo novo, mas acredita que pode gerar questionamentos:
— Em que pese a gente não ter enfrentado uma situação como essa e não ter precedente jurídico, se houver conexão entre o evento religioso e ato político, entendo que seria o caso de acionar a Justiça Eleitoral, não só por suspeita de configurar doação, mas também porque pode ser abuso de poder religioso.
Já pedir votos em igrejas, durante a campanha eleitoral, é proibido. A prática pode levar à cassação de registros de candidaturas.