Correio Braziliense, n. 21371, 19/09/2021. Política, p. 2

Isolado e cercado por crises

Ingrid Soares


Apesar de culpar frequentemente governadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelas mazelas do país com a pandemia e a alta da inflação, o presidente Jair Bolsonaro encontra em si próprio seu principal antagonista. Após as declarações antidemocráticas - e o recuo subsequente -, parte do agronegócio e do mercado financeiro retirou seu apoio ao presidente. Como um tiro no pé, o chefe do Executivo também viu sua popularidade despencar ainda mais. Caso a inflação continue alta e o quadro de recessão se concretize, a expectativa de reeleição em 2022 ficará bastante abalada.

Os dados da economia não ajudam Bolsonaro. Semana passada, o governo elevou, novamente, a projeção da inflação para este ano. A estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 5,9% para 7,9%. O país também enfrenta crise energética provocada pela escassez de água nos reservatórios que abastecem as usinas hidrelétricas do país.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) afirma que Bolsonaro está em uma "tempestade perfeita", cercado, ao mesmo tempo, pelas crises sanitária, política e econômica. Cético, o parlamentar diz que não há sinais de que o presidente possa resolver o estrago já produzido. "Não creio que tenha chance de reverter. Ao contrário. A tendência é ele (Bolsonaro) se isolar. Tem a questão do impeachment, que voltou a ser considerada. Qualquer governante que tem popularidade inferior a 20% se torna uma pessoa inviável na política, e Bolsonaro está próximo disso", aponta.

Já o deputado federal Major Vítor Hugo (PSL-GO) defende a tese de que a crise vivenciada pelo presidente decorre do enfrentamento à pandemia. No país, a covid-19 matou mais de 589 mil brasileiros. "Temos duas vertentes de uma mesma crise: econômica e sanitária, que atingem o mundo inteiro, e o Brasil tem saído até muito bem na parte econômica porque o presidente, desde lá atrás, focou nos dois campos. O Brasil criou mais de 1,5 milhão de empregos neste segundo ano de pandemia, tem previsão de crescimento entre 5% e 6% do PIB neste ano. É o melhor abril do ano no que diz respeito às contas públicas em sete anos, e o melhor juro da história", disse o deputado, repetindo os argumentos que o governo usa nas redes sociais para se defender de críticas.

Sobre o resultado das últimas pesquisas, em especial a do Instituto Datafolha, divulgada na última sexta-feira e que aponta recorde de rejeição ao presidente Bolsonaro (53%), Major Vítor Hugo disse que não confia em levantamentos do tipo. "Tenho viajado com o presidente e o cenário é de apoiamento e de paixão das pessoas por ele. Não vislumbro que esse resultado seja o correto, pelo que a gente vê no dia a dia nas ruas".

Paraquedas

Gil Castello Branco, diretor-geral da Associação Contas Abertas, explica que as incertezas econômicas e políticas geradas, em grande parte, pelo comportamento de permanentemente confronto do presidente prejudicam a recuperação da economia: "É muito difícil para investidores no Brasil, sem a certeza de que teremos ou não eleições daqui a um ano e se a responsabilidade fiscal será afetada pelo arsenal populista". Ele aponta que há também receio de que sejam abertas "chaminés" no teto de gastos, por causa da falta de dinheiro para pagar precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça) no ano que vem. "No desespero eleitoral, o governo está preparando o paraquedas para conter a queda livre da popularidade do presidente".

O Auxílio Brasil, um Bolsa Família mais robusto, com mais beneficiários, é um desses paraquedas, exemplifica Castello Branco. Para ele, o desespero eleitoral está levando o governo ao desatino fiscal. "O parcelamento de despesas obrigatórias é uma burla às regras fiscais vigentes. Na iminência de descumprir o teto de gastos, muda-se a regra. A mágica para burlar o teto de gastos abrindo espaço para despesas no ano eleitoral terá como consequência a alta da inflação e dos juros, a fuga de capitais, a redução dos investimentos e o desemprego. A carruagem rapidamente pode virar abóbora", alerta o especialista em contas públicas.

O cientista político do Ibmec-DF Ricardo Caichiolo destaca que os índices de rejeição a Bolsonaro vêm aumentando a cada pesquisa de opinião. Para ele, um dos principais motivos é a inflação, que tem atingido em cheio produtos e serviços essenciais às famílias brasileiras. "As perspectivas para o último trimestre de 2021 e para o ano de 2022 estão longe de ser animadoras. O mercado indica um aumento da taxa de juros para frear a inflação, o que acabará inibindo investimentos que permitiriam uma melhora do PIB e uma diminuição do número exorbitante de desempregados. Há, ainda, uma crise hídrica no horizonte, que pode jogar por terra qualquer tentativa de reeleição do presidente".

Já Melillo Dinis, analista político do portal Inteligência Política, acrescenta que o chefe do Executivo segue em campanha eleitoral: "Pelo que temos visto desde o início do governo, vamos continuar nessa gangorra política enquanto aumenta a desagregação social, em um país sem rumo e com fome. A economia será a questão mais decisiva nas eleições. Um candidato vai ter que convencer os eleitores de que pode reverter este quadro grave, dialogar com o mercado e com os setores produtivos, garantir trabalho, renda e dignidade. O nome disso é esperança".