O Estado de S. Paulo, n. 461913, 28/03/2022. Cultura & Comportamento, p. C2

'Investimento público caiu aos níveis de 1940'



Muita gente ainda não se deu conta de que o grande responsável pelo forte crescimento do gasto público - e, portanto, pelo problema fiscal - é a disparada dos gastos previdenciários, notadamente em Estados e municípios. Ao fazer essa constatação para a coluna, o economista Raul Velloso acrescenta o que considera um desafio histórico: a falta de investimento público.

Ele vê "um viés doentio antiinvestimento público" e discorda do ministro Paulo Guedes, que sonha trazer investimentos privados externos para substituí-lo. Esse investimento, pondera, "não vem para cenários de incerteza. Sem investimento público, que garanta produtividade, não há milagre".

Nesta entrevista a Gabriel Manzano, Velloso - uma das grandes cabeças das contas públicas do País - lembra-se de seu irmão mais velho, o ministro João Paulo dos Reis Velloso, que tocou o planejamento estratégico no regime militar de 1969 a 1979. Desde então, "os governos todos abandonaram esse foco. E, com Bolsonaro, a criação do Ministério da Economia deixou essa tarefa de lado". A seguir, principais trechos da conversa.

Há muita discussão e poucos avanços no debate sobre o "problema fiscal" brasileiro. Existe uma receita para sair desse atoleiro?

O grande problema fiscal do País é o forte crescimento dos "gastos obrigatórios", notadamente nos Estados e municípios, que dispararam de 2006 para cá. E a questão central são os gastos com a Previdência dos servidores públicos. Veja só: nos municípios, entre 2011 e 2018, esse gasto subiu 12,5% ao ano. Nos Estados, de 2006 até 2018, foram 5,9%/ano. Nesse mesmo período o PIB cresceu 1,4% ao ano.

Um desequilíbrio grande...
Sim, e desse modo não há arrecadação que aguente. Outro dado de peso: o dinheiro para investimentos públicos, em relação ao PIB, caiu muito, voltamos para os níveis vigentes na década de 1940. Como chegamos a esse ponto? Naquela época, eu mal tinha nascido! Aí vem o (ministro Paulo) Guedes e diz que precisamos de investimento externo, que pode substituir o público na tarefa de desenvolver o País.

É a solução mais à mão?

Não é verdade. Ele é arredio. O investidor privado não vai pôr dinheiro nisso sem garantia de retorno. Ele não entra num lugar sem certeza de regras claras, duradouras.

A reforma da Previdência federal estabeleceu prazos para Estados e municípios fazerem reformas e ajustarem suas contas.

Sim, mas isso tem evoluído de forma bastante lenta. Assim fica o temor de que, em Estados e municípios, se esgote o espaço para investimento, impedindo o crescimento e a desejada ampliação dos empregos. É visível como o investimento público em infraestrutura desabou, enquanto o privado se manteve estável.

Se houvesse um equilíbrio, o investimento cresceria?

Aprovadas essas inovações, se abriria o espaço para investir mais. Só que, na prática, por motivos que não cabe aqui detalhar -como a forte resistência à mudança de parte de servidores atuantes -, o processo de ajuste tem evoluído de modo muito lento.

Como se resolve isso?

Em estudo que elaborei há cerca de um ano para 11 municípios paulistas de peso, constatei que, sem nenhuma mudança relevante nas previdências, a capacidade de investir acabaria, em Marília e Santo André, entre 2020/2021. Em São Vicente, este ano. Em Bauru e Jundiaí, no ano que vem. Em Ribeirão Preto, em 2024. Entre 2025 e 2038, entrariam nessa lista cidades como Campinas, Santos e Sorocaba.

E São Paulo, que acabou de fazer uma reforma da previdência municipal?
Se nada tivesse sido feito, São Paulo perderia a capacidade de investir em 2029. Com as mudanças que, enfim, foram aprovadas pela Câmara, a Prefeitura paulistana agora terá a capacidade de investir, até 2036, R$ 85,9 bilhões a mais do que teria se nada tivesse feito. Uma cifra relevante, que mostra que há um caminho.