O Globo, n. 31523, 27/11/2019. País, p. 8

MPF reprova excludente de ilicitude em operações
Leandro Prazeres
Gustavo Maia


Órgãos do Ministério Público Federal (MPF) enviaram a parlamentares ontem uma nota técnica conjunta que classifica como “flagrantemente inconstitucional” o projeto de Lei que estabelece o excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), enviado ao Congresso na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro. Segundo o documento, o texto não tem paralelo nem mesmo com os atos institucionais da ditadura militar.

“A análise de referido PL revela que, na essência, ele institui um regime de impunidade para crimes praticados por militares ou policiais em atividades de G LO, flagrante mente inconstitucional e sem paralelo, até mesmos e comparado aos atos institucionais da ditadura militar ”, aponta anota, assinada por quatro integrantes da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e da Câmara de Controle da Atividade Policial e Sistema Prisional (7CCR) — Deborah Duprat, Domingos Sávio da Silveira, Marlon Weichert e Eugênia Gonzaga.

Segundo os órgãos, o projeto autoriza de forma “implícita, mas efetiva” que as forças de repressão façam uso abusivo e arbitrário da violência, “com grave risco de adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional”.

A nota destaca que um dos artigos do projeto estabelece “injusta agressão” como motivo de legítima defesa do militar em operação de GLO. Entre as possibilidades de “injusta agressão” estão a prática ou a iminência da prática de ato de terrorismo, conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal, restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça, portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.

“Esse dispositivo é descabido por presumir a licitude de uma conduta que é, em si, ilícita. Em realidade, esse preceito inverte o sistema jurídico constitucional e criminal, ambos baseados no máximo de contenção das forças de segurança, de modo a evitar o evento morte”, apontam os órgãos do MPF.

Os procuradores também ressaltaram as declarações recentes de integrantes do Executivo, entre eles o próprio presidente, sobre o objetivo de conter possíveis distúrbios em manifestações públicas.

“Ora, se há um mandamento de autocontenção das forças de segurança pública, isso certamente também se aplica quando essa atribuição passa a ser das Forças Armadas. E se tudo isso é certo no contexto geral da segurança pública, torna-se ainda mais imperativo quando se trata de manifestações públicas. Os anais do processo constituinte que levou à Constituição de 1988 revelam a razão do forte investimento nas liberdades expressivas: expressão, manifestação, protesto, associação e reunião”, argumenta a nota.