O Globo, n. 31523, 27/11/2019. Economia, p. 21

Novo recorde: Dólar encerra a R$ 4,239, mesmo depois de o BC vender moeda
Rennan Setti
Renata Vieira 
João Sorima Neto


O dólar comercial fechou ontem no novo recorde de R$ 4,239, com alta de 0,63%, depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizer que não está preocupado com o nível do câmbio. A declaração sinalizou aos investidores que o governo não agiria para conter a valorização, elevando a procura pela moeda americana. Na máxima do dia, a cotação bateu R$ 4,277. O movimento levou o Banco Central (BC) a vender dólares à vista em dois leilões,mas a intervenção conteve apenas parte da alta. Já a Bolsa caiu 1,26%, aos 107.059 pontos.

Na noite de segunda-feira, em Washington, Guedes classificou de “absolutamente compreensível” o novo patamar do câmbio, argumentando que a valorização é natural quando os juros estão mais baixos. Para alguns analistas, a fala de Guedes funcionou como um convite para apostar na alta da moeda. O impacto se mostrou já na abertura, com o dólar a R$ 4,25, R$ 0,04 acima do fechamento da véspera.

— Se você é o ministro da Economia, nunca diga que a moeda fraca não te preocupa quando você está flertando com patamar recorde — disse Win Thin, da Brown Brothers Harriman em Nova York.

SINAIS CONTRADITÓRIOS

Perguntado sobre as declarações de Guedes em relação ao dólar, o presidente Jair Bolsonaro mostrou tranquilidade:

— Se ele falou, está falado. Sou o técnico de futebol, quem entra em campo são os 22 ministros. O Paulo Guedes está jogando na economia. Tem vantagens pró e contra no dólar a R$ 4,21.

Surpreendido pela alta brusca, o BC anunciou às 11h, quando a cotação superava os R$ 4,26, um leilão de dólares à vista. Desde agosto não ocorria esse tipo de operação sem uma medida paralela para neutralizá-la.

A moeda recuou para abaixo de R$ 4,24, mas isso durou pouco: às 14h30m, encostava nos R$ 4,28. Foi quando o BC decidiu fazer um novo leilão. Só então o dólar cedeu, fechando perto da mínima do dia. O BC não informou quanto vendeu de suas reservas.

Essa atuação, no entanto, confundiu investidores. Para Gilmar Lima, economista do Banco BMG, houve um desencontro entre as falas de Guedes e a intervenção:

— Quando Guedes vem a público reiterar que não está preocupado dá a impressão de que, na verdade, há uma preocupação latente. Na sessão seguinte, o BC vem e atua. Se o dólar está no preço correto,para que o BC iria atuar?

À noite, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, justificou os leilões como uma resposta ao movimento “bastante atípico” do câmbio. E disse que voltará a intervir quando julgar necessário.

— O câmbio descolou das outras moedas, com gap (falta) de liquidez. Entendemos que era um momento onde o câmbio não estava funcional —afirmou Campos Neto. Ontem, o governo elevou a previsão para o dólar em 2020 de R$ 3,80 para R$ 4.

O estresse com a fala de Guedes se somou a uma série de fatores que levaram o dólar a acumular alta de 5,7% no mês, lembrou Felipe Pellegrini, do Travelex Bank. Começou com a frustração com o megaleilão do pré-sal, no dia 6, que atraiu menos dólares que o esperado. Depois veio a turbulência política na América do Sul, o que enxugou o fluxo de investimentos para a região.

Especialistas citam ainda o fato de o Brasil estar com a menor Taxa Selic da História: 5% ao ano. Isso reduz a atratividade para o capital especulativo de curto prazo, que dá suporte ao real frente ao dólar. Essa atratividade ficou ainda mais comprometida quando os EUA sinalizaram a interrupção no ciclo de cortes.

Para completar, as contas externas vêm frustrando as expectativas. O déficit em transações correntes foi de US$ 7,9 bilhões em outubro.

Lima, do BMG, também acredita que as declarações de Guedes sobre o AI-5 acrescentaram instabilidade ao câmbio. Após afirmar na segunda-feira que as pessoas não deveriam se assustar “se alguém pedir o AI-5”, o ministro voltou atrás na declaração.

— Foi um comentário desnecessário, que trouxe mais uma variável no jogo político — disse Lima.

Para ele, passada a tensão, o dólar voltará a R$ 4,20. Já Ilya Gofshteyn, do Standard Chartered, considera pouco provável uma recuperação do real até o fim do ano.

IMPACTO NA VIDA REAL

O dólar mais alto traz consequências para a economia real. O gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, cita a menor previsibilidade para os investidores.

No setor têxtil, a preocupação são os custos.

— O impacto mais direto virá dos produtos químicos importados. Mas a sem presas são afetadas até mesmo com insumos não importados. O algodão,por exemplo,tem cotação definida no mercado internacional — disse Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

A alta do dólar já afeta as projeções sobre um corte de juros em dezembro. Win Thin tem dúvidas, mas Armando Castelar, da FGV, vê queda a 4,5%.

Colaboraram Daniel Gullino e Cássia Almeida