O Globo, n. 31523, 27/11/2019. Sociedade, p. 29

Balanço da ANP: 4 mil toneladas
Johanns Eller


O derramamento de óleo que atingiu 11 estados no Nordeste e Sudeste desde o dia 30 de agosto é ao menos 16 vezes maior do que todos os vazamentos registrados oficialmente no país entre janeiro de 2012 e outubro de 2019, segundo números da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A discrepância tende a crescer, na medida em que fragmentos continuam a ser encontrados em praias ao longo da costa brasileira, enquanto a origem e o volume total dispersado no mar permanecem desconhecidos.

Ao todo, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 4.538 toneladas de petróleo cru foram retiradas das praias brasileiras até o último domingo. A conta inclui areia, algas, lonas, pedras e equipamentos de proteção individual (EPIs) descartados pelas autoridades estaduais.

Segundo o professor Paulo Cesar Rosman, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o volume total de óleo cru puro retirado das praias é de aproximadamente 4 mil toneladas, descartados os outros materiais.

Se compilados os 774 vazamentos notificados nesse intervalo, 250 toneladas de óleo foram despejadas no país — seja em águas brasileiras ou em terra firme. Segundo o professor de engenharia e petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) Ricardo Cabral de Azevedo, a principal diferença entre os incidentes dos últimos anos e o derramamento no Nordeste é a origem conhecida, o que permite uma solução rápida para a crise.

— De modo geral, eles foram detectados e solucionados na própria fonte e pela própria empresa responsável. Portanto, foram resolvidos muito mais rapidamente, evitando vazamentos maiores — explica Azevedo.

— Quase todos ocorreram em plataformas de petróleo ou instalações de apoio a elas. Por serem áreas com um risco maior de vazamentos, elas já contam com uma estrutura melhor para contenção, incluindo equipes bem treinadas para isso.

Rosman também vê diferenças fundamentais entre as circunstâncias do derramamento do Nordeste:

— A maior parte dos derrames acontece nas áreas de terminais de petróleo. Ele não se espalha por grandes áreas porque está contido dentro de uma área portuária, que é restrita. O impacto grande que ele causa é localizado. O especialista crava que a tragédia do Nordeste é a maior do país em extensão e, possivelmente, do mundo.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal apontam o navio-tanque Bouboulina, de bandeira grega e propriedade da empresa Delta Tankers, como o principal suspeito pelo derramamento. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), por sua vez, já apontou outras embarcações que podem ser responsáveis pelo desastre, incluindo navios fantasmas — que, no geral, transportam cargas ilegais, como o petróleo venezuelano, alvo de sanções econômicas, com o transponder desligado.

SEM PRECEDENTES

Ainda segundo o professor da Poli-USP, o vazamento que atinge o Nordeste e o Sudeste é “realmente único”, uma vez que, diferentemente dos incidentes notificados à ANP, o óleo cru venezuelano é muito mais denso do que a água, o que dificulta sua contenção:

— Para os padrões brasileiros, o caso atual foi muito grave e sem precedentes em relação à área atingida.

A maior parte dos casos elencados pela ANP são referentes a fluidos menos densos, que flutuam e ficam visíveis na água, e nenhum ocorreu por meio de um navio petroleiro.

— Isso explica parcialmente por que ninguém estava preparado para lidar com isso. Dificulta até a investigação, onde pode ter havido precipitação em apontar um culpado, que se trata de uma empresa grande, com reputação na área, e que atende o exigente mercado americano — afirmou Azevedo. — Difícil acreditar que eles se arriscariam dessa forma. Por isso viajaram o tempo todo com os sinalizadores ligados, o que inclusive facilitou sua identificação próximo ao lo caldo vazamento. Talvez por isso mesmo um navio fantasma possa ter viajado à sombra dele, confundindo ainda mais as autoridades.

Os dois professores apontam, no entanto, que os números da ANP estão potencialmente abaixo do volume real derramado no país em razão da subnotificação de vazamentos, o que indica uma deficiência na mitigação do problema.

— Diria que a soma deles é muito maior do que é notificado. São derramamentos crônicos, que acontecem todo dia aos montes nos terminais de petróleo. Normalmente acontece ao ligar o mangote (de óleo) no navio. Ao tirar, pinga. Isso acontece toda hora. Empresas sérias, quando fazem operações de navio, botam barreiras flutuantes em volta dele. Deveria ser procedimento normal. O risco da multa compensa o custo da operação correta — avalia Rosman.

CONHEÇA SEIS TEORIAS SOBRE O VAZAMENTO ATUAL

Navio grego

É a primeira e principal linha de investigação do governo federal. No dia 1º de novembro, a Marinha e a Polícia Federal anunciaram que o navio mercante Bouboulina, de bandeira grega e propriedade da Delta Tankers, era o responsável pelo petróleo vazado. O governo brasileiro acusou a empresa de não fornecer todos os documentos necessários para as investigações; a empresa nega

Poços perfurados

A Agência Nacional do Petróleo coordena um levantamento de poços de petróleo perfurados na região onde teria ocorrido o vazamento de óleo, acionando as empresas responsáveis por essa estrutura e buscando informações sobre as características do óleo extraído. A Marinha reconhece que a possibilidade de sucesso dessa investigação é remota

Desligado no oceano

Uma imagem feita por satélite em 19 de julho mostrou uma mancha a 26 km do litoral da Paraíba. O petroleiro suspeito teria navegado entre a África do Sul e a costa norte da América do Sul em julho com o aparelhamento que indica sua localização desligado. A Marinha considerou que as feições detectadas pelo satélite não eram de uma mancha de óleo.

Ship-to-ship

Possibilidade muito aventada no início das investigações. É o derramamento do óleo cru durante tráfego marítimo ao longo da costa atingida pela tragédia. Foram investigados 30 navios de 11 bandeiras diferentes. A Marinha solicitou que as autoridades marítimas dessas nações investigassem a possibilidade de derramamento por óleo de suas embarcações

Antes do Bouboulina

A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) encontrou uma fotografia de satélite que revela uma mancha em forma de rastro no litoral nordestino, 40 km ao norte de São Miguel do Gostoso (RN), formada antes de o Bouboulina passar. A investigação descartaria a possibilidade de que as embarcações gregas tivessem algum envolvimento com o incidente

No Sul da Bahia

A Ufal identificou, no final de outubro, um vazamento de óleo de 55 km de extensão e 6 km de largura, em formato de meia lua, a 54 km da do sul da Bahia. A Marinha, porém, contestou o estudo. A UFRJ também afirmou ter encontrado uma mancha de óleo de 200 km2 próxima ao Sul da Bahia. A Marinha disse que a substância não era óleo