Título: Príncipe livra cientista de chicotadas
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Fonte: Jornal do Brasil, 24/03/2005, Internacional / Ciência, p. A12
O professor sugeriu que se fixasse o calendário lunar através de telescópios, em vez de olho nu
RIAD - O herdeiro saudita, príncipe Abdala, livrou um cientista de receber as chicotadas a que fora condenado por um tribunal islâmico por ter classificado o método utilizado para fixar o calendário religioso na Arábia Saudita era muito ''primitivo''.
O professor Hamza Al Mizeini, catedrático na Universidade Rei Saud, de Riad, propôs a utilização de telescópios no lugar do olho humano para analisar a lua, cujos ciclos marcam o início das festividades muçulmanas.
Em artigo publicado no jornal Al Watan, o acadêmico também criticou as ações da Comissão para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, um grupo policial que vigia a moral na Arábia Saudita.
O tribunal o condenou a 275 chicotadas e a quatro meses de prisão, além de proibir a divulgação de seus artigos.
As posições de Al Mizeini fizeram com que as divergências que ele tinha com outros professores saíssem do meio acadêmico e gerassem uma série de censuras por parte do setor mais conservador do país.
A Universidade Rei Saud reproduz há um ano e meio o intenso debate, que divide a Arábia Saudita, entre os setores liberais e mais tradicionalistas.
Um dos representantes dos tradicionalistas, o erudito islâmico Ali al-Sayah, disse Al Mizeini ''não tem o conhecimento maduro e tenta confundir os leitores com suas más interpretações sobre assuntos do Islã''.
Abdulah Al Barak, um dos principais adversários acusou Al-Mizeini de difamação por avaliar que os livros utilizados no centro de ensino são ''radicais''. Já Al Mizeini chamou seu colega de ''extremista'' e o vinculou publicamente ao movimento fundamentalista.
Al Barak o denunciou e o tribunal islâmico condenou o acadêmico que tinha fama de ''liberal'' e já havia recebido outras queixas por comentários considerados injuriosos.
Para a condenação a Justiça se apoiou em um artigo da lei saudita que impõe chicotadas contra o indivíduo que ''ofenda a lei islâmica, contradiga o Corão ou a Sunna (tradição) ''.
Al Mizeini apelou à condenação e sustentou que seu caso não devia ser examinado por um tribunal, mas pelo Ministério da Informação, responsável pelos delitos cometidos por escritores e jornalistas no país. O príncipe herdeiro saudita interveio diretamente no caso e anulou a sentença.
- A ação do príncipe é uma advertência a Al Barak por não aceitar a opinião alheia e impor a sua a outros - disse Ayed al-Baqmi, cidadão saudita.
Segundo analistas, a questão prova que as instituições religiosas estão começando a perder o enorme poder que tinham no passado na Arábia Saudita, onde se profere o islamismo mais intransigente e rígido. Há pouco tempo atrás qualquer crítica direta ou indireta às autoridades religiosas acabava em chicotadas.