O Globo, n. 31543, 17/12/2019. Rio, p. 14

Avaliação dos cariocas: medo da violência perde força
Rafael Galdo


Com uma queda nas estatísticas de crimes como homicídios dolosos e roubos de veículos, caiu também o número de cariocas insatisfeitos com a segurança pública no Estado do Rio, revela uma pesquisa Datafolha encomendada pelos jornais O GLOBO e “Folha de S.Paulo”. A maioria dos entrevistados — 55% — ainda considera ruim ou péssimo o desempenho do governo de Wilson Witzel na área.

O índice, no entanto, é 30 pontos percentuais abaixo do registrado em março de 2018 pelo mesmo instituto. Na época, a intervenção federal para tentar conter a violência ainda não tinha completado um mês, e 85% dos moradores ouvidos reprovaram a atuação do então governador Luiz Fernando Pezão na área. Hoje, a sensação de insegurança também é menor que a verificada em outubro de 2017 (74%).

Entre os que avaliaram a segurança pública em 2017, apenas 5% a consideraram ótima ou boa. Esse índice caiu para 2% no ano passado e, agora, atinge o patamar de 15%. Já os que descreveram, este mês, o desempenho do governo como regular foram 29%.

A Zona Sul, que, historicamente, tem índices de violência menores que o restante do Rio, é a região onde mais gente se mantém insatisfeita: 65% dos entrevistados consideraram a segurança pública ruim ou péssima.

No âmbito geral, a desaprovação também é maior entre as mulheres (64%) que entre os homens (45%). O mesmo acontece na comparação entre os mais jovens e os mais velhos. Na faixa etária entre 16 e 24 anos, 63% criticam a segurança pública, índice que cai para 49% dos entrevistados com 60 ou mais.

Numa conjuntura geral, os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio mostram avanços no combate à violência. Este ano, de janeiro a outubro, houve 21% menos homicídios dolosos no estado em comparação com o mesmo período de 2018. Nos dez primeiros meses de 2019, foram 3.342 assassinatos no Rio (contra 4.226 em 2018). Apesar dos números ainda alarmantes, foi a menor quantidade de vítimas para o acumulado do ano desde 1991.

Na comparação entre janeiro e outubro de 2019 com o mesmo período de 2018, alguns índices de roubos também caíram, como o de veículos (24%), o de cargas (18%) e os de rua (6%).

Troca de cidade

De acordo com o Datafolha, se pudessem, sete em cada dez cariocas (69%) se mudariam da cidade devido à violência. É um patamar parecido com o das pesquisas anteriores (73% em março de 2018 e 72% em outubro de 2017). Esse desejo de ir embora motivado pelo medo atinge a maioria dos moradores de todas as regiões do Rio. Mas, na Zona Norte, onde ficam algumas das comunidades mais conflagradas da capital, como os complexos do Chapadão e do Alemão, ele é maior: atinge 73% dos entrevistados.

Sob o fogo cruzado de facções do tráfico, a região assiste também a um avanço das milícias em bairros como Quintino e Piedade. Em áreas como Cavalcanti, por exemplo, moradores não conseguem receber entregas dos Correios devido à violência, e, em ruas residenciais de Colégio, sequer é possível chamar um transporte por aplicativo, porque a região é considerada zona proibida.

Mas a dificuldade para ter acesso a serviços não é o único empecilho que a violência continua provocando no cotidiano da cidade. Em todo o Rio, apontou o Datafolha, 39% dos entrevistados informaram que, nas últimas semanas, tiveram que alterar sua rotina diária por causa da insegurança.

Desses, 9% deixaram de sair de casa à noite — medida que foi a interferência mais comum entre os ouvidos. Outros 8% mudaram seus trajetos diários, 8% passaram a não mais sair de casa, 5% modificaram seus horários e 4% andam mais atentos e evitam levar pertences para a rua.

Foi na Zona Norte que uma maior parcela da população (44%) teve que adaptar seu dia a dia, contra 30% na Zona Sul. Num recorte por renda familiar mensal, os que recebem de cinco a dez salários mínimos foram os mais afetados (45%).

A pesquisa Datafolha foi realizada entre os dias 11 e 13 deste mês com 872 entrevistados em todas as regiões da cidade do Rio. A margem de erro no total da amostra é de três pontos percentuais, para mais ou para menos.

Milicianos já cobraram taxas de 10% dos cariocas

Nos últimos meses, os sinais de que as milícias continuam avançando apareceram nas ligações dos paramilitares com os prédios que desabaram em abril na Muzema, nas descobertas de cemitérios clandestinos ou em denúncias de que os criminosos, agora, exploram até os “gatos” de energia elétrica, cobrando boletos da irregularidade aos consumidores de áreas dominadas. Cercados por essa realidade, 86% dos cariocas têm medo de serem vítimas de violência por parte das milícias, e 10% já pagaram alguma taxa a esses grupos para obter algum serviço, revelou a pesquisa Datafolha encomendada pelos jornais O GLOBO e “Folha de S.Paulo”. Berço dessa forma de poder paralelo, a Zona Oeste, de comunidades como Rio das Pedras e Gardênia Azul, é a região do Rio na qual mais gente se disse sujeita a esse tipo de afronta às leis: 15% dos entrevistados. Mesmo no Centro, 9% responderam já terem sido vítimas dessas extorsões, índice que chegou a 8% na Zona Norte e a 5% na Zona Sul.

Entre favela e asfalto, as cobranças das milícias atingem mais os moradores de comunidades (14% deles). No entanto, em mais uma amostra de que os paramilitares estendem seus tentáculos para áreas formais, 8% dos que moram fora das favelas também disseram que já tiveram de dar dinheiro a milicianos para conseguir acesso a algum serviço, seja internet, TV a cabo ou outros negócios explorados ilegalmente.

Entre os que pagam ou já pagaram aos milicianos, a insatisfação com o desempenho do governo Wilson Witzel na segurança pública é maior do que na média da cidade. Enquanto num cômputo geral da população do Rio 55% consideraram a atuação das autoridades fluminenses no setor ruim ou péssima, entre os afligidos pelas taxas da milícia esse índice alcança 68%.

Além de questões referentes à segurança, o Datafolha fez perguntas aos entrevistados sobre sua qualidade de vida pessoal no último ano. A metade dos cariocas (51%) respondeu que piorou, enquanto 38% avaliaram que permaneceu igual e apenas 11% consideraram que melhorou. As taxas dos que enxergam uma deterioração da qualidade de vida são mais altas entre as mulheres (59%, contra 41% entre os homens), entre os mais instruídos (59% dos que têm nível de escolaridade superior) e entre os que têm 45 a 59 anos (61%).