Título: Muda Perfil no Legislativo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/03/2005, Brasília / Opinião, p. D2

O reajuste das chamadas verbas de gabinete dos deputados federais chamou a atenção - e causou escândalo - por ser compreendido como um favorecimento aos parlamentares. Encarou-se a decisão, tomada pela Mesa da Câmara, como uma compensação dada aos eleitores do presidente Severino Cavalcanti, o chamado baixo clero, por não ter sido possível conceder-lhes o prometido reajuste de salários. Em certa medida é isso mesmo. O clamor da opinião pública levou os próprios parlamentares a recuarem da proposta de um aumento de 67% nos vencimentos, que se desenhara justamente na campanha de Severino à presidência da Casa. Ajeitou-se então o reajuste das verbas destinadas ao pagamento dos funcionários dos gabinetes.

Essa medida oculta algo que pode ser ainda mais sério do que o simples aumento no desembolso de recursos públicos. É a gradativa mudança do perfil dos funcionários do Legislativo. Trata-se de uma moléstia que se estende por toda a Esplanada dos Ministérios e que afeta Brasília mais do que qualquer outra unidade da Federação.

Há nem tanto tempo assim os funcionários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal eram reconhecidos por sua competência. Em certa medida ainda são. Um certo número de carreiras internas ainda é preenchido exclusivamente por profissionais concursados, que compõem uma meritocracia.

Não nos gabinetes. Na Câmara são raríssimos os gabinetes parlamentares que contam com funcionários concursados. No Senado ainda se exige a presença de uma parcela mínima deles em cada gabinete - mas dá-se como certo que essa saudável prática pode acabar. Não se realizam concursos para cargos de gabinete há tempo.

Fica assim a critério dos parlamentares nomear, para cargos em comissão, os funcionários que os atenderão. A maioria prefere designar cabos eleitorais, que ficarão em seus Estados de origem. Há um óbvio empobrecimento dos quadros. O reforço nessa verba apenas acentua essa triste situação.