Título: ''Papa já vê Deus, se uniu ao salvador''
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Internacional, p. A7

Pontífice está inconsciente, teve parada cardíaca, colapso renal e respiratório. Vaticano não confirma morte cerebral

Fernando Rabelo Centenas de fiéis fazem vigília pelo papa João Paulo II no Largo da Carioca, no Centro do Rio. As missas realizadas nas 256 paróquias da arquidiocese foram pela saúde do Santo Padre

CIDADE DO VATICANO - Após dois meses de cotidiano sofrimento por sérias dificuldades respiratórias e alimentares, está chegando ao fim a jornada do papa peregrino. João Paulo II sofreu parada cardíaca e respiratória na madrugada de ontem, está com falência renal e inconsciente. A imprensa italiana chegou a divulgar, à noite, que o pontífice teve morte cerebral diagnosticada, mas a Santa Sé negou. As redes de televisão RAI e Sky e a agência Adnkronos informaram que o encefalograma não indicava mais atividade elétrica cerebral. Reagindo, o vice-porta-voz vaticano, Ciro Benedettini, disse que o pontífice não poderia ter sido submetido a um eletroencefalograma, pois sequer existe tal aparelho no Palácio Apostólico.

Mesmo com a negativa da Santa Sé e a manutenção das luzes do apartamento papal acesas, desde cedo a esperança já não existia. O cardeal Camillo Ruini disse em sua homilia, em uma missa matutina com presença dos chefes de Estado italianos, que a fé do papa ''era tão forte que, neste momento de sofrimento, já vê e toca o Senhor, já se uniu ao nosso único salvador''.

A praça São Pedro foi tomada à noite por mais de 60 mil fiéis, que rezavam pelo pontífice. Abrindo às 21h as orações do rosário com a multidão, o monsenhor Giovanni Paolo afirmou que ''esta noite, Jesus abre a porta para o papa''.

- O mundo inteiro reza agora nesta praça - disse Deolinda Duarte, uma freira de Portugal.

Mesmo os não-católicos foram ao Vaticano.

- Vim observar a História ser feita - contou Johnny Cardew, um turista da Flórida (Estados Unidos).

Na quinta-feira, foi divulgado que o pontífice tinha febre alta e infecção urinária, medicada com antibióticos, mas não chegou a ser internado no Hospital Gemelli, em Roma, como das outras vezes em que esteve doente. O próprio paciente preferiu ficar em seu apartamento, em uma decisão de ''assumir a cruz e aceitar a morte'', segundo seu ex-assessor, o bispo iraniano John Magee.

Ontem à tarde, o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls, informou que as condições gerais de saúde de João Paulo II haviam se agravado ainda mais, evoluindo para colapso cardiovascular, respiratório e renal. Com lágrimas nos olhos, Valls disse que em 26 anos de pontificado, nunca havia visto o líder católico tão mal quanto ontem.

- A pressão arterial do santo padre está perigosamente baixa, a respiração é superficial. Os parâmetros biológicos estão notavelmente afetados - confirmou.

Do México, o cardeal mexicano Javier Lozano contava à rede Televisa que havia conversado com médicos do Vaticano e que o estado do papa era ''irreversível''.

- Já estamos na pré-morte - afirmara o prelado, também ministro da Saúde da Santa Sé.

O quadro de insuficiência renal não pôde ser controlado com hemodiálise pois a insuficiência cardio-respiratória impedia qualquer intervenção orgânica.

- Prevê-se a insuficiência funcional de todos os órgãos. Não há lugar para esperança - decretou Vincenzo Carpino, presidente da Associação Nacional de Anestesistas Hospitalares.

À noite, o fígado também começou a apresentar sinais de deterioração. Da equipe médica, estavam ao lado do pontífice Renato Buzzonetti, seu médico particular, dois especialistas em reanimação, um cardiologista, um otorrinolaringologista e duas enfermeiras. A este pequeno grupo, se alternavam outros poucos colaboradores: o secretário de Estado vaticano, o cardeal Angelo Soldano, o substituto da Secretaria de Estado, o arcebispo Leonardo Sandri, o presidente da Conferência Episcopal Italiana, Camillo Ruini, o secretário da Cidade do Vaticano, Edmund Szoka, o decano do Colégio do Sacro Colégio dos Cardeais, o cardeal Joseph Ratzinger, o monsenhor Giovanni Lajolo, e o secretário e bispo Paolo Sardi.

Outra pessoa que esteve em permanente contato com o papa era Navarro Valls. Quem coordenava o ingresso das poucas visitas recebidas era o monsenhor Stanislao Dziwisz, secretário de Karol Wojtyla e seu amigo íntimo desde sua juventude na Polônia.

Pela manhã, João Paulo II ainda estava ''lúcido e consciente'', segundo o cardeal americano e ex-arcebispo de Detroit Edmund Szoka, e participou da missa, celebrada em seu apartamento. Navarro Valls acrescentou que, ao acordar às 7h15, João Paulo II lembrou-se que era sexta-feira e pediu que fossem recitadas as 14 estações da Via Crucis (o calvário de Cristo).

- À leitura de cada uma delas, ele fazia o sinal da cruz - contou.

Logo depois, em seu último ato administrativo, o papa aprovou a nomeação de 17 bispos e arcebispos e aceitou a renúncia de outros seis.

A Casa Branca informou que ''não há a possibilidade'' de que o presidente dos EUA, George Bush, deixe de comparecer ao funeral no Vaticano.