O Estado de S. Paulo, n. 46860, 03/02/2022. Política, p. A10

Moraes cobra Aras sobre crimes de Bolsonaro apontados pela PF

Weslley  Galzo 
Rayssa Motta


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu um prazo de 15 dias para a Procuradoriageral da República se manifestar sobre o relatório final da Polícia Federal que apontou crimes do presidente Jair Bolsonaro na divulgação de dados sigilosos sobre um ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também foi instado a se manifestar sobre pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede-ap) para instaurar persecução penal contra Bolsonaro por “conduta típica, ilícita e culpável”, e sobre uma notícia-crime apresentada por um advogado que viu possíveis crimes no descumprimento da ordem de Moraes para prestar depoimento.

A delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, responsável pelo inquérito na PF, concluiu as investigações, mesmo sem ouvir Bolsonaro, e encaminhou ontem os autos do processo ao STF. Ao apresentar as informações à Corte, a delegada disse que a ausência de Bolsonaro no depoimento marcado por Moraes para a sexta-feira passada, na sede da PF, em Brasília, “não trouxe prejuízo ao esclarecimento dos fatos”.

Na sexta-feira passada, Bolsonaro descumpriu a decisão do ministro do STF, que o intimou a prestar esclarecimento presencialmente às autoridades policiais. Na data e horário do depoimento, o presidente enviou o chefe da Advocaciageral da União (AGU), Bruno Bianco Leal, que apresentou recurso para que Bolsonaro não fosse ouvido pelas autoridades policiais até que o plenário da Corte se reunisse para julgar a decisão de Moraes. O pedido foi negado pelo ministro, que não disse se ainda é necessário ouvir o presidente.

A delegada também declarou ao STF ter identificado crimes na divulgação dos dados pelo presidente, com apoio do deputado bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR) e do ajudante de ordens presidencial Mauro Cid. Apesar de reconhecer ilicitude nos atos dos investigados, a responsável pelo inquérito da PF não pediu o indiciamento de Bolsonaro por causa do foro privilegiado de que dispõe o chefe do Executivo.

Na semana passada, Denisse já havia apontado “atuação direta, voluntária e consciente” de Bolsonaro na prática do crime de violação de sigilo funcional. A delegada concluiu que o vazamento de informações tinha como propósito alimentar o debate sobre a PEC do voto impresso, rejeitada posteriormente na Câmara. Segundo Denisse, a “publicização” do inquérito teve a finalidade de “utilizá-lo como lastro para difusão de informações sabidamente falsas, com repercussões danosas para a administração pública”.

‘Fraudulenta’. À PGR, Moraes corroborou a avaliação da delegada ao afirmar que a divulgação dos dados pelo presidente teve “o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral” para “tumultuá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil”.

Ao discursar, anteontem, no retorno dos trabalhos do Judiciário, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que Bolsonaro ajudou milícias digitais ao vazar informações do inquérito.

Relator. A investigação sigilosa da PF foi tornada pública por Bolsonaro nas redes sociais em agosto do ano passado. A íntegra da investigação sobre a tentativa de invasão aos sistemas do TSE foi obtida por Filipe Barros, a partir de um pedido formal, na qualidade de relator do PEC do voto impresso, ao delegado da PF Victor Neves Feitosa Campos.

Em depoimento, o parlamentar admitiu que compartilhou o material com o presidente e que, no dia da live presidencial, soube que Bolsonaro poderia “abordar os fatos contidos no inquérito policial”. Para a delegada, houve desvio de finalidade no pedido do deputado, sobretudo porque ele sabia que a investigação corria sob sigilo, e no uso do conteúdo para validar o que ela chama de “ilações” e de uma “narrativa que os participantes já sabiam ser inconsistente”.

O relatório diz ainda que Mauro Cid participou de “outros eventos destinados à difusão de notícias promotoras de desinformação”, incluindo a live em que Bolsonaro associou a vacina da covid ao vírus da aids. A PF concluiu que, em relação ao delegado, não houve “participação dolosa” e não há elementos para atestar que ele forneceu a cópia do inquérito por “aderência de desígnios” com Bolsonaro e Barros. 

Pontos-chave

• Transmissão ao vivo

Em 4 de agosto de 2021, o presidente Jair Bolsonaro mostrou durante live documentos de uma investigação sobre a invasão a sistemas internos do TSE. Ele estava acompanhado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), então relator da PEC do voto impresso.

• Inquérito

A pedido do TSE, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou dias depois abertura de inquérito sobre o vazamento dos dados sigilosos.

• Depoimento

Com a indefinição de Bolsonaro sobre dia e horário em que gostaria de depor sobre o vazamento do inquérito, Moraes determinou que o presidente comparecesse à PF, em Brasília, no dia 28.

• Ausência

Bolsonaro descumpriu a ordem e não compareceu ao depoimento. A AGU apresentou recurso para desobrigar o presidente de prestar esclarecimentos, mas Moraes negou.

• Relatório final

A delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro enviou ontem as conclusões da PF ao Supremo. O relatório fala em "atuação direta e consciente" de Bolsonaro no vazamento.

• Procuradoria-geral

Ontem, Moraes cobrou uma manifestação do procuradorgeral da República, Augusto Aras, sobre o relatório da PF.