O Estado de S. Paulo, n. 46862, 05/02/2022. Política, p. A14

O ultraje que rende votos


 

A Procuradoria-geral da República (PGR) denunciou o ministro da Educação, Milton Ribeiro, pelo crime de homofobia. Em entrevista ao Estado, no dia 24 de setembro de 2020, Ribeiro afirmou que “o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic)” provém do que chamou de “uma família desajustada”. Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, que assina a denúncia apresentada ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Educação “praticou o preconceito e a discriminação às orientações sexuais homoafetivas e às identidades de gênero atribuindo-lhes a condição de anormalidade”, além de afirmar que essa condição seria decorrente de “um ambiente familiar desajustado”.

Se a fala ignominiosa de Milton Ribeiro configura ou não o crime de homofobia, do qual passou a ser formalmente acusado, é o STF, caso a denúncia seja aceita, que vai dizer no futuro próximo. O fato é que a manifestação do ministro da Educação é mais um exemplo da instrumentalização do ultraje como ativo político, uma marca distintiva do governo de Jair Bolsonaro. O próprio presidente da República, convém lembrar, já declarou que “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. É essa gente que se apresenta ao País como “conservadora”, quando, na verdade, são apenas reacionários. São as mesmas pessoas que, sem corar a face, afirmam pautar suas vidas por preceitos religiosos, quando estão apenas escancarando os seus preconceitos.

Esse comportamento é ainda mais indigno porque por trás desse véu de supostas virtudes morais há cálculo político. Assim como Bolsonaro, Milton Ribeiro e alguns de seus colegas da Esplanada dos Ministérios, como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, procuram o escândalo deliberadamente porque sabem que isso lhes pode render ganhos eleitorais. Embora o que digam ou façam possa chocar a maioria da sociedade, os ultrajes são valorizados por parcelas da população que podem lhes garantir votos suficientes para cargos proporcionais no Poder Legislativo.

A entrevista do ministro da Educação ao Estado se prestava a tratar, evidentemente, de temas relacionados à pasta, em particular o planejamento para a volta às aulas em meio à pandemia. O MEC abdicou de seu papel nesse tema. A educação foi uma das áreas mais negligenciadas pelo governo federal no curso da emergência sanitária. Pois Milton Ribeiro houve por bem desviar a conversa para o tema da orientação sexual, respondendo a uma pergunta que tratava dos casos de depressão dos jovens e como o ambiente escolar poderia ajudá-los na superação do problema.

É assim que opera o bolsonarismo. A tática da manifestação de preconceitos sob um verniz de “autenticidade” foi exitosa no pleito de 2018, marcado pelo anseio dos eleitores por uma nova direção para o País após os desmandos do lulopetismo. A ver o que as urnas reservam dessa vez aos arautos da indignidade.