Título: Latino-americanos eram fiéis diletos
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Internacional, p. A11

Vaticano dispensou atenção especial para questões da dívida externa, direitos dos indígenas e para o problema da terra

VATICANO - O papa João Paulo II viu na América Latina o território da esperança da Igreja Católica, mas também estava certo de que o continente tinha grande importância em seu futuro e por isso desde o começo de seu pontificado mostrou preferência pela região. O pontífice fez várias viagens a países latinos, inclusive quatro visitas ao Brasil.

- A América Latina é um continente jovem e cheio de esperança, no qual não faltam grandes contrastes, que impõem aos setores menos favorecidos da população o pagamento de intoleráveis custos sociais - disse João Paulo II, no começo de seu pontificado, período no qual ele não se cansou de lembrar a grave problemática social que atinge a maioria dos moradores da região.

O papa foi recebido por Fidel Castro (presidente de Cuba) e Augusto Pinochet (ex-ditador do Chile), apesar da reprovação de certos setores, que viram nestas viagens uma utilização política por parte das autoridades e uma contemporização de Karol Woityla com os regimes autoritários.

Nos países latinos, de maioria católica, o pontífice sempre esteve em casa. Se houve região na qual a palavra do papa teve forte eco, inclusive nas instituições, é a América Latina.

Sua mediação na Argentina e Chile, evitando uma guerra, concretizou-se no tratado de amizade e cooperação entre os dois países, um exemplo da influência do pontificado na vida regional.

Com seus constantes pedidos de diálogo, João Paulo II evitou que se agravasse o confronto fronteiriço entre Equador e Peru e contribuiu para a solução dos conflitos internos em El Salvador, Guatemala e Nicarágua.

Em 26 anos, o papa se tornou o representante dos pobres latino-americanos, ao reiterar o ''amor preferencial'' da Igreja por eles, como destacou nas assembléias gerais do episcopado de Puebla e Santo Domingo.

O pontífice também dedicou atenção especial em textos sobre problemas cruciais na região, como a dívida externa, a questão indígena, o problema da terra e, em um aspecto religioso, as seitas fundamentalistas.

O papa tentou evitar que a defesa dos pobres fosse feita somente a partir de critérios marxistas e advertiu para o perigo de que a ''teologia da libertação'', sob influência marxista, fomentasse a luta de classes e a violência, desfigurando assim a mensagem cristã. Em conseqüência, distanciou-se de vários teólogos, entre eles o brasileiro Leonardo Boff.

Em suas viagens e declarações sobre a América Latina, João Paulo II denunciou tanto a ideologia capitalista liberal como o coletivismo marxista, ambos ''incoerentes com a fé e a cultura'' do Novo Continente.

O religioso enfrentou o confronto entre setores progressistas e conservadores dentro da Igreja, diretamente relacionado à luta pelos direitos humanos e a justiça. Para isso ''solucionou'' a inquietação de bispos comprometidos, opostos aos poderes políticos e econômicos, como os do Brasil e do Peru, com uma substituição episcopal favorecendo os nomes mais ''espirituais'' e menos ''políticos'', o que não agradou aos setores progressistas da Igreja.

Em sua histórica visita a Cuba, João Paulo II denunciou os excessos da ditadura comunista, que deixou, frente a frente, as imagens de Che Guevara e Jesus Cristo, e conseguiu que a Igreja cubana começasse a sair da obscuridade na qual o regime castrista a havia deixado.

E pela importância do continente no mais recente papado, o cardeal polonês Jozep Glemp disse ontem em Buenos Aires que o próximo líder dos 1,1 bilhão de católicos do mundo poderia ser um religioso latino-americano.

- Há bispos e arcebispos latinos que podem empreender a tarefa de dirigir a Igreja - assegurou o também arcebispo de Varsóvia.

A declaração foi feita pouco antes de Glemp celebrar uma missa para ''agradecer e reafirmar a fé comum entre argentinos''. A celebração aconteceu na Basílica de Luján, onde em 1982 o próprio papa rezou uma missa, em uma das duas visitas que fez à Argentina.

Glemp comentou ainda que mesmo diante da morte de João Paulo II, ''os fiéis estão tranqüilos, já que sabemos que a Igreja é eterna'':

- Claro que ficamos emocionados, mas Cristo continua vivendo. Temos consciência de que somos fracos, pecadores, mas temos o Espírito Santo, que nos faz renascer e ver o futuro.

Sobre o trabalho de João Paulo II frente à Santa Sé, o cardeal elogiou justamente a característica de peregrinação:

- Ele soube romper barreiras e divisões.