O Globo, n. 31520, 24/11/2019. Opinião, p. 2

A chance da Câmara na política ambiental e de defesa civil


A Câmara decidiu investigar as razões do fracasso do Estado brasileiro na prevenção de desastres ambientais e a ineficácia da Defesa Civil em emergências como o derramamento de petróleo no litoral do Nordeste e do Sudeste.

Vai instalar uma Comissão de Inquérito subscrita por 267 deputados, ou seja, a maioria (52%) do plenário de 513 parlamentares. O instrumento escolhido, uma CPI, é questionável, porque tem sido banalizado. São vários os casos de comissões de inquérito improdutivas, terminadas em fiasco, com aprovação de relatórios pífios e corrupção de alguns dos seus integrantes.

A dimensão do desastre do petróleo vazado no litoral, ampliada pela ineficiência do setor público em mitigar danos, impõe aos líderes da Câmara o desafio de resgatar a função originária das CPIs, e apresentar respostas e propostas construtivas sobre dois problemas nacionais que precisam ser focalizados de maneira interdependente — as políticas de meio ambiente e de defesa civil.

Elas não existem além do papel, como ficou demonstrado na sequência de desastres em Mariana e Brumadinho (Minas Gerais); nos incêndios e no aumento do desmatamento na Amazônia; e no óleo espraiado por quase 700 localidades em quatro mil quilômetros de litoral, do Maranhão ao Espírito Santo. Se a Câmara conseguir superar a fútil polarização poderá se concentrar em apurar o que os governos federal, estaduais e municipais fizeram nessa crise. Terá um roteiro para elaborar políticas públicas efetivas de proteção ambiental e de defesa civil.

Como mostra a tragédia do vazamento de óleo, o problema vai muito além do aspecto preservacionista. Envolve revisão e construção de mecanismos de fiscalização, com integração de atores ainda à margem do planejamento setorial, como a Marinha e as empresas petrolíferas, com interesse óbvio na prevenção de incidentes na plataforma marítima. Tem razão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quando diz ser vital “focar no que o governo fez, certo ou errado, e onde pode melhorar sua estrutura”.

A Câmara tem a chance de revisar orçamentos, elaborar e consolidar normas que induzam à inovação na prevenção, fiscalização, controle de danos, e até em iniciativas para conservação e uso sustentável do bioma marinho. Há questões pendentes, entre elas a imobilidade do aparato estatal. Há um plano nacional de contingência para vazamentos de petróleo que, simplesmente, não foi acionado — e não se conhecem as razões da insuficiência.

Serão necessários bom senso e foco para evitar a armadilha do confronto entre o governo e a oposição que administra parte dos estados atingidos. Se não houver equilíbrio, a Câmara não perderá apenas uma chance de afirmar seu poder na formulação de políticas públicas, mas, inevitavelmente, se entregará ao descrédito com mais uma CPI inócua.