Título: DOR
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Rio, p. A13

Assassinos abrem fogo contra inocentes em Nova Iguaçu e Queimados, na maior chacina do estado. Policiais são os principais suspeitos

Depois de uma manhã de trabalho na padaria e de passar a tarde na escola, Douglas Felipe Brasil de Paula, 14 anos, que sonhava em servir ao Exército, voltava para casa. A poucos metros do destino, fez um pedido à avó: queria jogar fliperama. ''É só uma ficha'', e Creusa Regina Xavier, 45, concordou em deixar o neto, que trabalhava desde os 7 anos, brincar por alguns minutos. A parada no bar Caíque, na Rua Gama, no bairro Cerâmica, seria rápida. O tempo foi o suficiente para Creusa chegar em casa e se sentar no sofá, quando ouviu estampidos de tiros. No bar, Douglas, amigos de infância e trabalhadores tinham sido executados. A mãe de Douglas, Suzane Xavier, 29 anos, correu para o local. O menino, que era chamado pelos avós de cientista porque gostava de montar e desmontar eletrodomésticos, já agonizava. Ele morreu no local. Os assassinos seguiram espalhando pânico pela baixada. A matança terminou com 30 vítimas, a maioria sem ficha na polícia e morta com tiros na cabeça. Ontem, um dia depois da maior chacina registrada no estado, em Nova Iguaçu e Queimados, mulheres e crianças choravam seus mortos.

A mãe de Douglas emocionava-se quando lembrava dos sonhos do filho, que cursava a 5ª série na Escola Presidente Médice . O mais recente, estava quase concretizado.

- Com dinheiro que ganhava trabalhando padaria, vendendo pipa, cloro e bombinhas, estava comprando peças para montar uma bicicleta - lamentou, enquanto observa sentada numa calçada o bar onde o filho morreu.

- Amanhã (hoje), eles iriam comemorar com uma festinha o aniversário da avó do Douglas - contou uma tia.

Pela manhã, o bar Caíque já não tinha as poças de sangue da noite anterior. O pequeno comércio, montado há cerca de uma ano e meio, não tinha marcas de tiros. Só os vários pares de chinelos espalhados pela rua lembravam o cenário de terror. Um pedreiro, que mora no local há 49 anos, detalhou o pânico dos sobreviventes:

- Estava numa barraca perto do bar. Eram oito e 10 da noite. Eu ia para lá, quando vi o Gol prata com o farol alto estacionado no outro lado da rua. Dois homens desceram e, em três minutos, atiraram em todo mundo. Depois, voltaram para o carro e saíram atirando em direção aos outros três bares - contou.

Para ele, os assassinos erraram o alvo, já que os traficantes do local estariam a duas ruas do bar, na Rua do Latão. Segundo o pedreiro, alguns traficantes da facção Comando Vermelho vêm tentando instalar bocas-de-fumo no bairro.

- Eles (os traficantes) sobem nos telhados e fazem bagunça. Os policiais não estão gostando disso - desabafou.

Um líder comunitário, que preferiu não se identificar, agradecia a Deus por ter escapado.

- Quando vi o carro, corri para o outro lado da rua. Meu amigo jornaleiro que estava comigo não teve a mesma sorte. Ele foi baleado na perna - entristeceu-se.

No momento do ataque, um grupo de evangélicos orava na Igreja Assembléia de Deus, que fica em frente ao bar. Entre elas, A., 24 anos, que ficou desesperada por não poder sair de casa para buscar a filha de 9 anos.

- Eles se trancaram na igreja até pararem com os tiros. Ninguém podia fazer nada, a não ser esperar - lamentou.

Emocionadas, muitas mães contaram que não deixam os filhos saírem à noite. Com medo, elas se limitam a dizer que ''a rua está ficando muito perigosa''. Entre os adolescentes proibidos de sair à noite, um dos mortos: Felipe Soares Carlos, 13 anos, escapou da vigilância da irmã Priscila Soares, 17 anos. Estudante da 2ª série, ele chegou da escola, tirou a blusa e o tênis e, depois de jantar, foi brincar com os irmãos.

- Eles estavam em frente de casa, então fui tomar banho. Quando escutei os tiros nem me preocupei, depois veio o desespero - disse, inconformada, Priscila.

Na mesma rua onde morava Felipe, o estudante do 1º ano do ensino médio Leonardo Felipe da Silva, 15 anos, não foi à escola na quinta-feira. Ele estava com dor de garganta.

- À noite, ele estava melhor e foi para o bar jogar totó - conta a tia de Leonardo, Luciene Salustiana da Silva, 27 anos.

Leonardo ainda foi levado com vida para o Hospital da Posse, em Nova Iguaçu. Ele teve morte cerebral e teve os órgãos doados por sua família. Dona de um bar, Maria José, 42 anos, manifestava o mesmo desejo de quase todos os moradores daquela região: mudar-se dali.

- Estou chocada. Vi estas crianças crescerem. Não tinha bandido entre eles - justificou.

Emocionado, Carlos Henrique de Assis, 48 anos, proprietário do bar, perdeu a mulher Elizabeth Soares de Oliveira, que ainda tentou correr dos bandidos para uma fábrica de plástico. Ela foi executada no local.

- Estávamos juntos há 30 anos. Trabalhamos e conseguimos montar o bar. O maior medo dela era que eu morresse antes, porque tenho problema de pressão. Em um minuto que eu saí para ir ao açougue, tudo aconteceu. Quando voltei, a cena estava pronta e meu bar abandonado -