O Globo, n. 31520, 24/11/2019. País, p. 11

Lava-Jato desacelera um ano após saída de Moro
Thiago Herdy


Um ano após a saída do juiz Sergio Moro da 13ª Vara Federal em Curitiba — a única especializada em lavagem de dinheiro exclusiva da Lava-Jato no país —, o ritmo de trabalho não é mais o mesmo de antigamente. Dados oficiais mostram que processos pendentes se acumulam e a produtividade do juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu o atual ministro da Justiça, não chega perto da registrada nos anos agudos da operação.

Moro abandonou a magistratura em novembro de 2018, após ser convidado para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Bonat, que anteriormente atuava em assuntos previdenciários, foi escolhido por meio de um concurso interno, e começou a atuar como titular da 13ª Vara em março. Neste ínterim, o trabalho ficou a cargo da juíza substituta Gabriela Hardt, que ainda hoje divide funções com o sucessor de Moro.

Quando o primeiro juiz da Lava-Jato deixou o posto, o sistema da Justiça Federal registrava 571 processos pendentes. Em setembro deste ano, sob Bonat, este número alcançou 820, um aumento de 43%. Desde março, o novo juiz proferiu 17 sentenças à frente da Lava-Jato, segundo dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A pouco menos de um mês para o encerramento do ano no Judiciário, dificilmente o magistrado alcançará os números de Moro, que assinou 43 sentenças em 2015, e 35 em 2017.

Reservadamente, membros do Judiciário, advogados e agentes que atuam na Lava Jato citam diferentes razões para a nova realidade, entre elas a diferença de perfil das equipes da Vara e a redução no ritmo de trabalho da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF). No caso da polícia, a menor demanda é atribuída ao desmonte do grupo que atuava na superintendência da PF, durante o governo Michel Temer. No caso dos procuradores, é citado o impacto da divulgação de mensagens pessoais de integrantes da força-tarefa neste ano.

TOTAL DE DESPACHOS

Outro indicador mostra que o desempenho de Bonat, ainda que esteja longe dos anos agudos da operação, não é tão diferente dos últimos dois anos de Moro. O sistema informatizado da Justiça paranaense, conhecido como Eproc, registra o número total de despachos proferidos por cada magistrado em processos. Segundo o E-proc, em 2014, primeiro ano da Lava-Jato, Moro despachou 1.970 vezes no sistema. No ano seguinte, este número chegou a 2.942, o que significa uma média de quase 12 despachos por dia útil de trabalho. Em 2016, foram 1.340.

Em 2019, Bonat despachou 1.166 vezes, de acordo com os dados oficiais. O número é próximo do registrado por Moro nos seus dois últimos anos como juiz: 1.141, em 2017, e 1.241, em 2018. A assessoria de Bonat informou que ele não comentará as razões da diferença de produtividade com Moro. Mais discreto e reservado que seu antecessor, o novo juiz nunca deu entrevistas sobre seu trabalho na Lava Jato. A exceção foi há cerca de dois meses, quando participou de ato contra o projeto da lei de abuso de autoridade, recentemente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, e falou rapidamente com jornalistas.

Nas audiências, Bonat mantém o estilo mais contido — não há registro de desentendimentos com advogados, como ocorreu com Moro. Um dos embates foi com o defensor de Lula e Antonio Palocci, Roberto Batochio, acusado por Moro de “tumultuar uma audiência”. Na ocasião, Batochio o rebateu, dizendo que o então magistrado tentava “eliminar a defesa”, prática que insinuou ser típica do nazismo. Procurado, Batochio contemporizou o embate, e preferiu não comentar as diferenças entre os juízes. — Nem me lembro — disse.