O Globo, n. 31520, 24/11/2019. Economia, p. 31
Precursoras do petróleo superam obstáculos para liderar
Karen Garcia
Aos 37 anos, Lívia Santiago é a primeira coordenadora técnica de operações da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), na Baixada Fluminense. Formada em engenharia elétrica, ela se recorda de quando recebeu, há 14 anos, um telegrama confirmando sua aprovação no concurso público da Petrobras. Com 23 anos na época, já acreditava que aquele caminho traria a independência financeira tão incentivada pela mãe, que criou quatro filhos sozinha. Só não imaginava que lideraria uma equipe com cem funcionários, formada majoritariamente por homens. Da exploração ao refino, são muitos os desafios para as mulheres que trabalham no setor de petróleo.
Apenas 16% do quadro de colaboradores da Petrobras, a maior companhia do setor no país, são mulheres. Em 2018, elas eram 7.767 de um total de 47.556 funcionários. Mas houve avanço. Em 2013, elas eram apenas 12% do efetivo. A diversidade étnica, porém, ainda é baixa: menos de 30% delas são pretas ou pardas.
— Não é fácil ser mulher em ambiente dominado por homens. Acaba que você precisa ser melhor para se provar competente nesse ambiente — diz Lívia.
As mulheres são minoria também nos cargos de chefia. Mesmo com maior escolaridade — mais de 50% das mulheres na empresa têm nível superior, apenas 18% ocupam cargos de liderança.
Uma iniciativa recente, porém, procura mudar este quadro na indústria. O Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) — que acaba de eleger sua primeira presidente, a economista Clarissa Lins — criou um programa de mentoria para lideranças femininas em parceria com a consultoria LHH para incentivar a presença de mulheres em posições de alta gerência a partir do desenvolvimento de competências.
No mundo, mulheres ocupam apenas 22% das vagas no setor de óleo e gás. Dados da LHH indicam que, se nada for feito, a desigualdade entre gêneros na atividade só seria extinta em 2235.
— A indústria é majoritariamente masculina em termos globais. O IBP criou um comitê de diversidade e desenvolve um programa de coaching com jovens mulheres que pretendem ascender na carreira — conta Clarissa.
— A discussão é relativamente nova, mas é um terreno fértil.
A participação feminina em cursos de capacitação do IBP é crescente. Em 2018, elas já foram 33% dos 519 alunos.
Mas os obstáculos no setor ainda são muitos. Vão desde a ausência de dormitórios femininos nas plataformas até uniformes que não se adaptam ao próprio corpo, além do sentimento de falta de representatividade no ambiente esmonas funções em que a tecnologia tratou de eliminar barreiras físicas, o preconceito impede que estes postos sejam ocupados por mulheres, relatam profissionais do setor.
— Como vivo nesse ambiente há bastante tempo já estou acostumada e não me sinto intimidada. Diversas vezes já me deparei co macara de espanto, como se dissessem “é você?”, quando descobriam que eu era a responsável por determinada área — conta Lívia. A Petrobras realizou, em 2018, uma análise sobre a participação feminina no seu corpo técnico. Segundo consta no seu último relatório anual, desenvolveu um plano de ações, como programas de liderança orientadora, de fomento de mulheres em carreiras de tecnologia e engenharia e de estímulo à maior presença feminina em áreas operacionais.
APOIO FAZ DIFERENÇA
Para Moara Zaneti, diretora do Sindipetro-RJ e uma das fundadoras do grupo de diversidade do órgão, empresas refletem a sociedade:
— Os preconceitos que as mulheres sofrem em outros espaços também estão presentes no ambiente de trabalho. É recorrente mulheres terem suas falas interrompidas em reuniões. Quando chegam a cargos mais altos, algumas acabam reproduzindo um modelo masculino de liderança para se impor entre os homens ou evitar assédios.
A carioca Carla Malafaia, de 38 anos,t ambé mé uma das pioneiras na indústria. Em assumiu o comando da sonda de perfuração Norbe IX, da Ocyan, antiga Odebrecht Óleo e Gás, que hoje está na Bacia de Campos. Ela fez parte da segunda turma de formação do Centro de Instruções Almirante Graça Aranha (Ciaga), da Marinha, que permitiu o ingresso de mulheres. Desde então trabalha embarcada. Já ficou 194 dias consecutivos noma reacompanhou a construção da sonda desde o início do projeto, no estaleiro Daewoo, na Coreia do Sul.
— Desafios vamos ter em todos os lugares, todos os dias, mas uma postura inclusiva da empresa é essencial para garantir um ambiente mais as mulheres — diz.
As discussões de gênero na Ocyan começaram há três anos. As mulheres são 17% do total de empregados, mas apenas 2% ocupam cargos de liderança. Elas desempenham, em sua maioria, funções em terra. Apenas 58 mulheres trabalham no mar. Para Carla, o programa de diversidade da empresa faz diferença no desenvolvimento das mulheres.
A diretora jurídica da Equinor Brasil, Letícia Andrade, observa que empresas mais diversas têm maior capacidade de resolver problemas e inovar. A Equinor também é presidida por uma mulher.
— A diversidade tem que ir além do gênero. Diz respeito a cultura, etnia, classe social, idade e orientação sexual. É possível tomar decisões melhores quando temos diferentes perspectivas — diz Letícia.
Na visão da executiva, a empresa precisa promover condições para que mulheres permaneçam e se desenvolvam de forma autônoma.
— É necessária uma política que proporcione tranquilida depara elas tomarem suas decisões devida pessoal. Nem todas desejam ter filhos, mas, se quiserem, que não haja risco na empresa para o crescimento profissional. A licença parental estendida é essencial, pois os homens também precisam estar disponíveis para a família — diz a executiva.
Após voltar da licença-maternidade do primeiro filho, Letícia foi promovida. Em janeiro, será diretora de Estratégia e Portfolio da Equinor Brasil, área que demanda visão ampla do negócio, aumentando a presença feminina em cargos de decisão na empresa.
“A diversidade tem que estar além do gênero. Diz respeito a cultura, etnia, classe social, idade e orientação sexual”
Leticia Andrade, diretora jurídica da Equinor