Título: Comoção no enterro das vítimas
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Rio, p. A15

Quatro pessoas foram sepultadas em Austin. Projéteis recolhidos dos corpos no IML reforçam a tese da participação de policiais

Desmaiada, Maria Helena Soares não conseguiu assistir ao enterro do filho, Felipe Soares Campos, de 13 anos. Durante o velório, na capela do Cemitério Carlos Sampaio, em Austin, na Baixada Fluminense, ela agarrava o caixão branco para que os parentes e amigos não levassem o corpo. Neste cemitério, quatro vítimas foram enterradas. Os coleguinhas da escola de Felipe se dividiam entre a capela onde o menino era velado e a capela ao lado, onde estava Douglas Brasil de Paula, 14 anos. Todos estudavam na Escola Municipal Presidente Emilio Garrastazu Médici. As crianças fizeram cartazes pedindo justiça e parentes colaram nas cartolinas fotos do menino. A avó, Creusa Regina Xavier, 45 anos, estava inconsolável.

- O meu menino, o que fizeram com o meu menino? - chorava, abraçada às duas irmãs menores de Douglas.

Ao mesmo tempo, na terceira capela, parentes e amigos velavam o corpo de Elizabeth Soares de Oliveira, 45 anos, a proprietária do bar Caíque, local da tragédia em Cerâmica, Nova Iguaçu.

Amigos disseram que Elizabeth era camelô em Nova Iguaçu desde os 16 anos. Quando se casou com Carlos Henrique de Assis, o Caíque, como é conhecido, mudaram-se para o bairro Cêramica. A vontade dele era que Beth, como era carinhosamente chamada, deixasse a vida dura de ambulante. Abriram juntos um bar, há um ano e meio.

- Ela era trabalhadora, esses bandidos não podem ter feito isso, eu não consigo acreditar - dizia, enquanto abraçava um amigo.

Compareceram aos enterros o presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), os deputados estaduais Geraldo Moreira (PSB) e Alessandro Molon (PT), e os deputados federais Fernando Gabeira (PV) e Chico Alencar (PT). O secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, chegou no fim do último enterro.

O último a ser enterrado foi Jonas de Lima Silva, 19 anos. A irmã dele, Rosemeri Maria de Lima Vicente, contou que o irmão desceu para comprar cigarro no momento em que a chacina ocorreu. Muito nervosa, Rosimeri interrogava os deputados estaduais Alessandro Molon (PT) e Chico Alencar (PT), que acompanhavam o enterro:

- Como é possível que tantos assassinos entrem para a polícia? Quem faz esta seleção, em que só entram monstros?.

No Instituto Médico Legal (IML) de Nova Iguaçu, o drama dos parentes e amigos era parecido com o que se via no enterro. Três mulheres desmaiaram após reconhecerem os cadáveres e uma delas foi atendida pelo Corpo de Bombeiros. A família de Leonardo Felipe da Silva, 15 anos, que teve morte cerebral no Hospital da Posse, decidiu doar os órgãos da vítima. Kenia M. Dias, 27 anos, atingida na cabeça, ainda está em estado grave. O corpo de Jaílton Vieira da Silva foi transferido para a Paraíba.

Autoridades, parlamentares e religiosos manifestaram repúdio à chacina.

- Vi corpos de trabalhadores e crianças espalhados pelas ruas e famílias chorando. Essa tragédia espalhou mais pânico do que a de Vigário Geral, que foi algo localizado. Essa gerou insegurança na população, porque as pessoas estavam andando. Foi tiro ao alvo aos pedestres - relatou o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias. - Há grupos de extermínio atuando aqui. A própria polícia está em xeque. Duvidamos da isenção na investigação. Se for o caso, deve-se pedir a ajuda de forças federais para agilizar a apuração. Não é feio pedir ajuda - completou o prefeito, que decretou luto oficial de três dias no município.

Pela manhã, Lindberg chegou a anunciar que a prefeitura promoveria um sepultamento coletivo da vítimas. Mas, por determinação da governadora Rosinha, o deputado federal Nelson Bornier (PMDB) foi ao IML para anunciar que o estado arcaria com os sepultamentos individuais dos corpos.

- Isso é um problema que compete ao Estado, que tem que assumir essa responsabilidade. Temos que tratar as famílias com respeito, promovendo enterros individuais. Não existe fazer enterro coletivo - declarou o deputado.

O subsecretário de Direitos Humanos, Paulo Bahia, informou que a governadora determinou que representes da Secretaria Estadual de Direitos Humanos fornecessem assistência funerária e pós-funerária às famílias das vítimas.

O diretor de polícia técnica, Roger Ancelotti, criticou a disputa:

- Nesse momento, os donos dos cadáveres não são nem estado nem prefeitura. São as famílias.

O bispo da diocese de Nova Iguaçu, Luciano Bergamin, anunciou para as 15h de hoje um ato pela paz na catedral de Santo Antônio, em Nova Iguaçu.

O deputado federal Chico Alencar, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, informou que a câmara vai constituir uma comissão externa para acompanhar o caso.

- Essa tem que ser uma ação de todo o poder público. O ideal era constituir um força-tarefa. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já acionou a superintendência da Polícia Federal do Rio para fazer um trabalho conjunto de investigação com o estado - disse ele.

Alessandro Molon, da comissão de Direitos Humanos da Alerj, disse que ''falta esforço na captura dos participantes dos grupos de extermínio''.

- Temos esperança de que este crime leve à investigação de todos os policiais corruptos - ressaltou.

Para agilizar a necropsia, sete cadáveres foram transferidos para o IML de Duque de Caxias e 10 para o Rio. Segundo Ancelotti, o crime foi caracterizado como homicídio por projétil de arma de fogo.

Dos 12 corpos necropsiados no IML de Nova Iguaçu, foram recolhidos 18 projéteis inteiros de pistola e inúmeros fragmentos de projéteis, que foram encaminhados para perícia no Instituto de Criminalística Carlos Éboli. De acordo com o delegado da 58ª DP (Posse), Roberto Cardoso, os projéteis fortalecem a tese de que PMs teriam praticado o crime.