Título: A sensatez e o futuro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/04/2005, Opinião / Editorial, p. A18

Embora motivado pela longa e intensa execração em praça pública, o governo agiu corretamente ao recuar e decretar o fim da novela da Medida Provisória 232. A sociedade, que resistiu bravamente a mais uma demonstração do voraz apetite dos impostos sobre sua renda, pode agora respirar aliviada. Pelo menos por enquanto. Mas a sensatez prevaleceu em Brasília. Ainda bem. Como a oposição desejava, fatiou-se a MP. A boa notícia da medida, a correção da tabela do Imposto de Renda, permaneceu. Aquilo que provocou reações mais modestas, como o recolhimento na fonte das empresas rurais, foi melhorado (a retenção passa de operações de R$ 1.600 para somente operações acima de R$ 17 mil). E o que era péssimo para todos - o aumento do imposto das empresas prestadoras de serviço - vai para a lata do lixo, de onde não devia ter saído.

Do ruidoso episódio extraem-se lições relevantes para o futuro. A primeira é a constatação inequívoca de que a MP 232 significou não apenas um ato político e econômico desastroso da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como reafirmou, com especial clareza, o implacável avanço do Estado sobre os cidadãos e as empresas brasileiras. Trata-se de uma ferocidade que a sociedade demonstrou não mais suportar.

A segunda lição é de natureza política. O governo desgastou-se demasiadamente sem necessidade. A resistência imediata dos setores organizados sugeria que a batalha estava perdida antes mesmo de começar. Por uma razão simples: a absoluta incapacidade de se absorver mais um aumento da já sufocante carga tributária. Ao insistir na aprovação da MP, o Palácio do Planalto deixou em frangalhos uma já debilitada base de apoio parlamentar. E ajudou a garantir dividendos para a oposição.

Sobre a gula tributária do Estado, não custa repetir: é resultado de uma perversa combinação que historicamente atravanca os avanços econômicos do país. Trata-se da forma habitualmente encontrada pelos governos para compensar a existência de um setor público ávido por receitas adicionais. A solução é inevitável. Buscam-se novos recursos para que se possa financiar os gastos crescentes do Estado - boa parte destinada ao custeio da máquina e ao aumento da folha de salários. Em vez de reduzir seus próprios custos, joga-se a conta no bolso dos contribuintes. Por outro lado, empresas e cidadãos atingiram o limite do suportável.

Em 2003, por exemplo, os prestadores de serviço haviam sido punidos por um aumento de 12% para 32% na base de cálculo do lucro presumido. Com a MP 232, esse índice subiria para 40%. O governo tem dados segundo os quais, com o aumento real de 5,2% do PIB, a carga tributária federal ficou estável em relação a 2002 - 16,20% do PIB naquele ano contra 16,34% em 2004. Não há razões para duvidar. O problema é que, quando comparado a 2003 (cuja carga ficou em 15,9%), o aumento parece mais evidente. Estabilidade para os técnicos da Fazenda e da Receita Federal, mais aumento de imposto para o cidadão.

O desgaste político, portanto, seria inevitável. No Congresso, porém, caberá ao Planalto buscar mais uma vez a unidade perdida - só reconquistada agora, na ''derrota'' da MP. Convém retomar a capacidade de articulação dos parlamentares que o apóiam. Descoordenados, os governistas se tornam um estorvo para o próprio Planalto. Pior: uma boa medida governamental - a correção da tabela do Imposto de Renda - adquiriu nova paternidade. Escapou para os braços da oposição. Sem cortar despesas e sem reorganizar a agenda legislativa, o governo Lula corre o risco de se deparar com novos fracassos num futuro breve.