O Estado de S. Paulo, n. 46866, 09/02/2022. Notas & Informações, p. A3

Como enfrentar a próxima catástrofe


 

Os governos estavam preparados para a crise? Estão respondendo bem a ela? Estarão preparados para outras? Respostas exaustivas e consolidadas a essas questões podem tomar anos, mas é vital esboçá-las desde já. Por isso, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) solicitou aos seus membros uma autoavaliação sobre sua atuação em cada um dos estágios do ciclo de gerenciamento de riscos: preparação, gestão de crise e resposta e recuperação.

A preparação implica capacidade de antecipação de risco, preparação de setores críticos e protocolos de gerenciamento. A gestão de crise envolve comunicação, arranjos de governança e mobilizações integradas da sociedade. A resposta e a recuperação, por fim, levam em conta a eficácia das medidas sanitárias, das restrições e lockdowns, dos auxílios econômicos e das políticas sociais.

É consensual que a preparação para a pandemia foi insuficiente, especialmente à luz dos custos humanos e financeiros. Os governos tomaram medidas econômicas rápidas e massivas, mas, segundo eles mesmos, precisam monitorar mais cuidadosamente seus impactos orçamentários de longo prazo. Também ficou claro que a confiança exige transparência, não somente por meio de campanhas de comunicação, mas do envolvimento das partes interessadas e do público na tomada de decisões.

Na maioria dos países os investimentos nas capacidades de antecipação de risco em setores críticos se mostraram insuficientes. Isso resultou em carência de estoques de equipamentos críticos e falta de planejamento e treinamento em respostas a emergências.

Crises dessa magnitude exigem a mobilização de recursos em virtualmente todos os domínios do poder público, o que implica flexibilidade e rapidez na ativação de mecanismos de governança para facilitar a cooperação intergovernamental. Mas a divisão de trabalho nem sempre ficou clara. As avaliações enfatizam a necessidade de esclarecer responsabilidades e mandatos dos grupos de gestão de crise, suas hierarquias e organogramas. É importante que eles contem com a participação de servidores de alto escalão, o que ajuda a dar mais peso às deliberações, garantir a devida responsabilização e facilitar decisões ágeis.

Segundo os governos, comitês de aconselhamento forneceram evidências valiosas para informar suas decisões, mas eles avaliam que poderiam ter confiado mais em fontes variadas de expertise. Muitos consideram que faltou mais representação da sociedade civil.

Ainda que essas medidas tivessem sido tomadas a contento, ficou evidente que a sua eficácia depende de uma comunicação coerente. Quando ela faltou, ainda mais em meio a uma onda de desinformação, a tendência à erosão da confiança no governo e no aconselhamento dos especialistas foi inequívoca.

A comunicação também é chave para envolver a sociedade civil, a iniciativa privada e setores locais, de modo a aumentar a transparência nos processos decisórios e facilitar a implementação de respostas.

Na avaliação dos governos, as isenções tributárias e os auxílios às empresas foram cruciais, mas nem sempre atingiram os beneficiários certos ou foram acompanhados de estimativas consistentes sobre seus custos a longo prazo. Deficiências análogas foram apontadas nas medidas de socorro social, mas foram compensadas pela mitigação do sofrimento dos mais vulneráveis. Ou seja, os governos avaliam que, se pecaram, foi por excesso. Melhor do que por falta. Mas se, no futuro, encontrarem a medida justa, será melhor para todos.

Por fim, as autoavaliações reconhecem lacunas que demandam mais evidências, sobretudo em relação à preparação de setores críticos, à efetividade dos lockdowns e medidas restritivas, e aos seus impactos sobre as liberdades individuais, além dos efeitos colaterais sobre a violência doméstica, consumo de álcool e saúde mental. Neste caso, o que está feito está feito. Mas está claro que esses aspectos exigem mais atenção, estudos e debates, desde já para mitigar as sequelas da crise, mas também para que, no futuro, outras crises sejam enfrentadas com mais eficácia.